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domingo, 26 de fevereiro de 2023

A REVOLUÇÃO RUSSA - MAURÍCIO TRAGTENBERG

 LIVRO "A REVOLUÇÃO RUSSA".





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Sinopse:

O livro A Revolução Russa, de Maurício Tragtenberg, publicado pela primeira vez em 1988, poucos meses antes do desmoronamento da URSS, tem um sentido premonitório: dotado de alta força crítica, percorre os caminhos e descaminhos daquela sociedade, desde a gênese do czarismo, anterior à Revolução de 1917, passando pelos longos, difíceis e tortuosos períodos que configuraram a processualidade russa, até chegar às vésperas de seu definhamento. Escrito em linguagem límpida, mas sem perder a complexidade dos problemas, dada a enorme erudição, da qual Maurício Tragtenberg era uma das nossas mais vivas expressões.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

A Concepção de Educação de Maurício Tragtenberg - Nildo Viana

 


A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO EM MAURÍCIO TRAGTENBERG

 

Nildo Viana*

 

Resumo: O presente artigo aborda a concepção de educação de Maurício Tragtenberg. O objetivo foi apresentar os principais aspectos de sua produção intelectual sobre o fenômeno educacional. O caminho trilhado foi apresentar, brevemente, um pouco da vida e obra de Maurício Tragtenberg, para depois analisar a sua crítica da educação burocrática e, por fim, sua concepção de autoeducação do proletariado e autogestão pedagógica. O resultado foi a percepção de que Maurício Tragtenberg realiza uma crítica radical da educação burocrática, entendendo que ela (incluindo a escola e a universidade) possui a função de reprodução das relações de produção capitalistas, e se constitui através de uma rede hierárquica de instituições. Ela efetiva isso através do controle burocrático sobre professores e estudantes. A concepção de educação em Tragtenberg também aponta para a necessidade de uma nova educação e ele aponta para isso sob duas formas: a autoeducação do proletariado através de suas lutas e no interior das instituições escolares, através da autogestão pedagógica e formas pedagógicas similares.

 

Abstract: This article addresses the concept of education by Maurício Tragtenberg. The objective was to present the main aspects of his intellectual production on the educational phenomenon. The path followed was to briefly present a little of the life and work of Maurício Tragtenberg, to later analyze his critique of bureaucratic education and, finally, his conception of self-education of the proletariat and pedagogical self-management. The result was the perception that Maurício Tragtenberg carries out a radical critique of bureaucratic education, understanding that it (including the school and the university) has the function of reproducing capitalist production relations, and is constituted through a hierarchical network of institutions. It does this through bureaucratic control over teachers and students. The concept of education in Tragtenberg also points to the need for a new education and he points to this in two ways: the self-education of the proletariat through its struggles and within school institutions, through pedagogical self-management and similar pedagogical forms.

 

 

Maurício Tragtenberg apresentou uma grande contribuição para se pensar criticamente vários temas fundamentais da sociologia e das ciências humanas em geral, bem como temas políticos. Tragtenberg é um dos principais sociólogos brasileiros e ainda merece maiores pesquisas e análises de sua produção intelectual. No presente artigo, objetivamos analisar a sua contribuição específica para análise do fenômeno educacional, um dos temas aos quais ele mais se dedicou. Para realizar esse objetivo, iniciamos com uma apresentação geral do pensamento de Tragtenberg, aspecto importante para compreender seu pensamento educacional, e, após isso, apresentaremos os dois elementos fundamentais de sua análise da educação, a questão da burocracia e a questão da autogestão, para, por último, apresentar nossas reflexões sobre a sua concepção de educação.

O Pensamento de Maurício Tragtenberg

Maurício Tragtenberg, como ele mesmo conta em sua autobiografia, nasceu no interior do Rio Grande do Sul e logo se mudou para São Paulo, cidade na qual teve inúmeros contatos com diversos segmentos sociais que o ajudaram a formar suas primeiras reflexões políticas e sociais: imigrantes de outros países, operários, intelectuais. Um leitor voraz que lhe proporcionou, com o passar do tempo e acúmulo de leituras, uma erudição que será uma de suas marcas como intelectual. Tragtenberg era um autodidata que tardiamente entra na universidade. Tal entrada, inclusive, não se deu pelos meios convencionais da época, ou seja, através de vestibular e sim através da apresentação de uma monografia, item do regimento da Universidade de São Paulo, indicado por Antonio Cândido, intelectual renomado, do qual ele lançou mão. Essa monografia, depois publicada como livro, cujo título é: Planificação: o desafio do século XX (1967), foi sua primeira contribuição intelectual de uma longa série. Após terminar o curso, Tragtenberg começa a carreira de professor e depois de muitas experiências, pois, como ele “especializou-se em ganhar concursos” e, na UNESP, “perder contratos” (TRAGTENBERG, 1988), acabou passando por algumas das grandes universidades brasileiras, tais como a Fundação Getúlio Vargas (FGV), Universidade de Campinas (UNICAMP) e PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), no qual lecionou por décadas. Para compreender a relação entre sua história de vida e sua produção intelectual, no entanto, não basta tais referências, pois seria necessário acrescentar sua passagem por partidos políticos e suas atividades jornalísticas, entre outros aspectos de sua experiência de vida (SOUZA, 2017; TRAGTENBERG, 1999).

No seu processo histórico de vida, Tragtenberg fez inúmeras leituras e se tornou um erudito[1]. A sua erudição gira em torno de um eixo norteador que é a ideia de autogestão. A concepção autogestionária de Maurício Tragtenberg, no entanto, não é obra da casualidade. Sem dúvida, o processo histórico de vida de Tragtenberg foi fundamental para que ele desenvolvesse sua concepção autogestionária, mas isso ocorre num contexto histórico específico e que possibilita tal desenvolvimento. Nesse caso, o Maio de 1968 é um acontecimento histórico decisivo para que a palavra autogestão, e seu significado marxista, ganhasse espaço e se tornasse referência intelectual. As lutas estudantis e operárias na França geraram a retomada da ideia de autogestão num sentido revolucionário e marxista, tal como se observa na obra de Guillerm e Bourdet (1976), bem como em outros autores e diversos grupos políticos nesse país, e acaba se espalhando pelo mundo. Nesse contexto, emerge o marxismo autogestionário, uma continuidade do marxismo de Marx e do comunismo de conselhos, e que tem em Yvon Bourdet um dos seus mais expressivos representantes (VIANA, 2020a).

Podemos dizer que o marxismo autogestionário tem em Maurício Tragtenberg um representante no Brasil. Sem dúvida, isso ocorre, num plano concreto, a partir das peculiaridades e idiossincrasias do indivíduo Maurício Tragtenberg. E por isso é necessário entender quais são as principais fontes de inspiração de Tragtenberg. Podemos dizer que Tragtenberg teve como principais fontes de inspiração o pensamento de Karl Marx, a sociologia de Max Weber, e, em menor grau, um conjunto de pensadores anarquistas, representantes da análise institucional na França (alguns sendo expressão, com certas ambiguidades, do marxismo autogestionário)[2], entre outras.

Tragtenberg extrai da obra de Marx as bases intelectuais do seu pensamento, desde elementos teóricos, como a teoria da luta de classes e elementos da teoria do capitalismo, até sua análise do movimento operário e da revolução proletária. A crítica do capitalismo é algo fundamental, nesse aspecto, bem como a ideia de que “a emancipação da classe operária é obra da própria classe operária” (MARX, 2014). Max Weber traz algumas contribuições ao pensamento de Tragtenberg, com especial destaque para a sua sociologia da burocracia. Esse será um dos temas mais discutidos por Tragtenberg e Weber, ao lado de outros sociólogos, como Selznick (1978); Etzioni (1976), entre outros, serão importantes para sua análise da burocracia. O marxismo que ele denomina “heterodoxo”[3] também tem forte influência no seu pensamento, desde Rosa Luxemburgo até autores como Bordiga, chegando ao comunismo de conselhos, com destaque, entre estes, para Pannekoek, Korsch, Rühle, Gorter. Os pensadores anarquistas também terão um espaço no pensamento de Tragtenberg, desde os clássicos (Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Malatesta) até os posteriores, incluindo os ligados ao que foi denominado “pedagogia libertária”, tal como Francisco Ferrer. Os representantes da análise institucional, tais como Lobrot (1973); Lapassade (1989), Lourau (1975), vão também contribuir com o pensamento de Tragtenberg, não somente na discussão educacional e com a ideia de autogestão pedagógica, mas também com as análises da burocracia, entre outras.

O pensamento de Tragtenberg se orienta em torno de uma análise crítica do capitalismo e de seus fundamentos, com destaque para a crítica da burocracia. O capitalismo, para Tragtenberg, é uma sociedade que gera uma desumanização através da exploração do proletariado (1967). O seu foco, no entanto, é no plano organizacional, especialmente na questão da burocracia. Ele realizou diversos trabalhos de análise e crítica da burocracia, em diversas instâncias da sociedade, com destaque para suas obras Burocracia e Ideologia (TRAGTENBERG, 1985) e Administração, Poder e Ideologia (TRAGTENBERG, 1989a). Tragtenberg analisava a burocracia no interior do processo de trabalho, desde as “harmonias administrativas” de Saint-Simon e Mayo (TRAGTENBERG, 1985), passando pelo taylorismo, até chegar na cogestão e formas contemporâneas de controle burocrático da atividade laboral (TRAGTENBERG, 1989a). Ele também analisava o fenômeno burocrático em suas diversas outras formas de manifestação, como em partidos e sindicatos (TRAGTENBERG, 1989b), no capitalismo estatal (TRAGTENBERG, 1989b; 1988), nas instituições escolares (TRAGTENBERG, 1990).

A crítica da burocracia, no entanto, é acompanhada por um projeto alternativo: a autogestão. O tema da autogestão aparece em diversas obras e em algumas ele aponta para uma reflexão sobre o seu significado:

O problema do socialismo coloca-se ante a existência real da luta de classes entre exploradores e explorados, entre opressores e oprimidos. Socialismo implica auto-organização, associação, autogestão operária. A autogestão não é um objetivo da sociedade capitalista, seja na forma de capitalismo privado, seja na forma livre-concorrencial, monopolista ou estatal. Ela significa que o proletariado e os assalariados em geral gerem por si mesmos suas lutas, através das quais se conscientizem de que podem administrar a produção e criar formas novas de organização do trabalho. Em suma, que podem colocar em prática a ‘democracia operária’. O predomínio da autogestão nos campos econômicos, social e político, manifesta-se sempre que os trabalhadores aparecem como sujeitos revolucionários. São os períodos de ascensão dos movimentos de massas que tomaram forma na Comuna de Paris de 1871, na Revolução Russa de 1917, na Guerra Civil Espanhola de 1936, nas rebeliões de 1918 na Hungria e na criação do sindicato Solidariedade (1978) na Polônia (TRAGTENBERG, 1989b, p. 10).

A questão da autogestão emerge em várias de suas obras, seja como tema principal (TRAGTENBERG, 1989b), seja envolvido em outras discussões (TRAGTENBERG, 1988; 1990). Não é, pois, exagerado dizer que “O sentido da vida e obra de Tragtenberg foi, a nosso ver, a luta pela autogestão” (VIANA, 2008). Assim, o fio condutor da obra de Tragtenberg é a autogestão e isso se reflete em todas as suas obras.

Sem dúvida, a educação foi um dos temas mais abordados por Tragtenberg e por isso vários autores abordaram o seu tratamento da questão educacional (SILVA, 2008; MARQUES, 2016; UHLE, 2001; GANDINI, 2001). O tema da “autogestão pedagógica” é um outro momento no qual a ideia de autogestão aparece e que foi antecedida pelo marxismo autogestionário francês no qual ele se inspira. Assim, a questão da burocracia e da autogestão são os temas fundamentais que estão sempre presentes no seu pensamento. Nesse sentido, Tragtenberg acompanha o desenvolvimento de setores do marxismo, que passaram a se atentar para a questão da burocracia, tal como o marxismo autogestionário francês e o autonomismo – que já havia iniciado, em alguns casos, a discussão sobre essa questão numa perspectiva marxista ou próxima do marxismo – e a questão da autogestão, que emerge com força através de Guillerm e Bourdet, marxistas autogestionários franceses.

Educação, burocracia e reprodução

Depois dessa breve síntese do pensamento de Maurício Tragtenberg, podemos passar para a análise de sua concepção de educação. A abordagem da educação em Tragtenberg é extremamente crítica, seguindo, nesse caso, a tradição de Marx, anarquistas, marxistas autogestionários. A sua análise da educação tem três eixos fundamentais: burocracia, reprodução e transformação. No presente item, vamos nos ater aos dois primeiros eixos, a burocracia e a reprodução, que são complementares.

Tragtenberg aponta a ligação inseparável entre escola e capitalismo através da análise da origem da educação formal:

O capitalismo, no seu processo de desenvolvimento, separou da vida produtiva a criação e a transmissão da cultura, sequestrou o corpo de conhecimentos, cuja origem é social, em instituições privadas ou estatais: daí a emergência da instituição escolar como diferenciada, com a pretensão de monopolizar a aprendizagem e a integração social. O exercício e o controle desse monopólio acadêmico são entregues ao Estado. Assim, o acesso à cultura se identifica com cumprimento de uma legislação, obediência e normas, consumo de algo definido como “ensino” pelos chamados “órgãos competentes” (TRAGTENBERG, 1980, p. 54).

Tragtenberg aborda a questão da função da escola. A função da escola é a reprodução das relações de produção capitalistas. Tragtenberg é explícito nesse sentido ao tratar da escola como “aparelho ideológico”, termo retomado de Althusser, que não é citado, que emerge num determinado estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Ela, como todo aparelho ideológico, não cria ideologia, mas a inculca[4]. E ele destaca o caso específico das universidades, pois “a universidade reproduz o modo de produção capitalista dominante não apenas pela ideologia que transmite, mas pelos servos que ela forma” (TRAGTENBERG, 1990, p. p. 13).

Assim, a função da escola é reproduzir o capitalismo. A ideia de reprodução, que foi hegemônica desde os anos 1950 até o final dos anos 1970[5], é retomada por Tragtenberg. Segundo ele:

A escola não cria a divisão em classes, mas contribui para essa divisão e reprodução ampliada. A reprodução ampliada das classes sociais comporta alguns aspectos: a) a reprodução ampliada dos lugares que ocupam os agentes. Estes lugares designam a determinação da estrutura sobre a divisão social do trabalho; b) a reprodução (distribuição) dos próprios agentes entre estes lugares. Aí intervém ativamente na reprodução dos lugares das classes sociais. Há uma reprodução das classes sociais e pela oposição de classes, onde se move a reprodução ampliada da estrutura, inclusive das relações de produção que preside o funcionamento dos aparelhos ideológicos; [...] c) trata-se de uma distribuição primeira dos agentes, ligada à reprodução primeira dos lugares das classes sociais: é ela que designa para este ou aquele aparelho, para esta ou aquela série entre eles, e segundo as etapas e as fases da formação social, o papel respectivo que eles assumem na distribuição dos agentes (TRAGTENBERG, 1990, p. 44).

Tragtenberg vai além dessa constatação e aborda a forma pela qual a escola realiza esse processo de reprodução. A função de reprodução da escola se efetiva através da burocracia. É a burocracia escolar que efetiva o controle da escola e desenvolve a burocratização. A ação burocrática é hierárquica e vai da burocracia ministerial para as demais, até chegar à burocracia escolar. No âmbito de uma universidade ou de uma escola, o controle burocrático é dirigido em relação aos intelectuais/professores e estudantes.

No caso do professor, ele é controlado pelos mecanismos de nomeação na medida em que se exige dele um currículo visível – prova de desempenho como professor, pesquisas realizadas, artigos ou livros publicados –, porém o currículo invisível pode funcionar mais: uma simples opinião de uma eminência parda que pertença ao Serviço de Informações e Segurança que “assessora” reitorias, especialmente nas universidades federais e na Universidade de São Paulo, pode vetar uma contratação proposta e aprovada pelo departamento. É o chamado “currículo invisível” que pode condenar o mestre. O controle do alunado se dá através do sistema de provas e exames, onde é medida a conformidade do aluno aos ditames do Mestre, muito mais do que sua produção e criatividade. A escola funciona, nesse sentido, mais como elemento de domesticação do que como elemento de libertação e autoafirmação. A burocracia universitária e ministerial oprime o mestre. Ele, por sua vez, tende a reproduzir essa opressão sobre o aluno: é a dialética do senhor e escravo de Hegel. O senhor oprime o escravo e ao mesmo tempo é escravizado pela máquina que ajudou a construir (TRAGTENBERG, 1990, p. 148).

Assim, retirando os aspectos mais datados da afirmação de Tragtenberg, ele destaca o controle burocrático dos professores pela burocracia, em suas várias instâncias, e dos estudantes. No caso dos professores, o controle ocorre via currículo invisível e visível[6], gerando o processo de atrelamento do professor para manter o emprego ou seguir na carreira. O controle dos estudantes, por sua vez, ocorre através do processo de sistemas de exames, gerando o atrelamento do estudante para conseguir aprovação.

O sistema de exames é, segundo Tragtenberg, parte da pedagogia burocrática. O sistema de exames, segundo ele, é um “batismo burocrático do saber”, retomando afirmação de Marx (1979). É através dele que a universidade viabiliza o poder sobre os estudantes. É uma pedagogia repressiva que promove a avaliação rígida através do sistema de notas, valoração da aula magistral (ou magna) e troca de informações a respeito dos estudantes por parte dos professores. Porém, o sistema de exames é uma parte desse processo: “o exame é a parte visível da seleção; a invisível é a entrevista, que cumpre as mesmas funções de ‘exclusão’ que possui na empresa em relação ao futuro empregado. Informalmente, docilmente, ela ‘exclui’ o candidato” (TRAGTENBERG, 1990, p. 13).

Os professores estão submetidos ao processo da carreira – e é onde o currículo invisível ganha força –, que, sobre pretexto de “qualificação docente e estímulo ao ensino”, realiza um processo de disciplinamento da força de trabalho docente. Dessa forma, as universidades (o que ocorre também nas escolas de outros níveis, como fundamental e médio, mas sob outras formas) buscam formar força de trabalho para servir ao modo de produção capitalista e assim se torna “aparelho ideológico de inculcação”, gerando um “tipo de saber operacional e acrítico (positivo)”, maneiras de sentir e agir de acordo com a racionalidade do poder, exigência de disciplina, pontualidade e discrição do estudante, futuro burocrata ou intelectual.

Tragtenberg explica esse processo de burocratização escolar com o apoio de autores como Marx, Weber, Selznick, Etzioni e Lobrot, entre outros. Ele trabalha com outros termos que acabam ajudando a compreender outros aspectos da burocracia educacional.

Uma questão da análise que Tragtenberg faz da educação e que passa desapercebido por grande parte dos seus intérpretes é a relação da burocracia com o saber. Geralmente se reconhece o significado da inculcação que Tragtenberg atribui à escola, cuja consciência tem sua origem em Marx (MARX; ENGELS, 1992). Pelo que ficou evidente, até aqui, a burocracia exerce um duplo controle: dos professores e dos estudantes. Por outro lado, esse controle é disciplinar e intelectual. O controle dos professores ocorre via processos burocráticos e o currículo invisível e o controle dos estudantes via sistemas de exames (e também presença, tal como Tragtenberg coloca em outros momentos). O controle intelectual é sobre os professores e destes sobre os estudantes, bem como o controle disciplinar.

A questão é que Tragtenberg relaciona o controle burocrático do saber com a produção e a reprodução do saber. Ele recorda o dito de Bacon: “saber é poder”. As instituições burocráticas, não apenas escolares, são responsáveis pela produção de saber ideológico a serviço do poder. Segundo Tragtenberg,

a instrumentalização do saber é uma das características dominantes na cultura do capitalismo moderno, e é produzida por alguns “aparelhos ideológicos” como, por exemplo, a American Sociogical Association (ASA), a American Political Science Association (APSA) e a American Historical Association (AHA): “elas forneceram especialistas para os setores empresariais e governamentais nos últimos 25 anos” (1990, p. 17).

O vínculo dessas associações com determinados organismos e ao Estado é perceptível, tanto é que, como diz Tragtenberg, elas “gozam de insenção de impostos graças ao servilismo ante o Estado” e outras instituições. Assim, “cobertos pelo ideal de ‘neutralidade ante valores’ a maioria dos acadêmicos universitários vegetam no conforto intelectual agasalhado pelas sinecuras burocráticas e legitimadas ideologicamente pelo apoliticismo”, sendo esta “a ideologia dos que não tem ideologia”, que anda paralelamente “à despreocupação sobre as implicações éticas e políticas do conhecimento (TRAGTENBERG, 1990, p. 18). Desta forma, as universidades e outras instituições educacionais estão articuladas com Fundações, Instituições, Agências, “Multinacionais”.

Assim como o Pentágono encarregava o MIT (Massashussetts Instituto of Tecnology) da produção de bombas e armas bacteriológicas, ocorre a mediação por firmas ou fundações. A automatização dos campões de batalha futuros é elaborada nos campus; nesse esquema, a Universidade da Califórnia se encarrega de atualizar o esboço de sistemas de radar e armas nucleares, a Universidade de Chicago fornece a Pinochet, Milton Friedman e sociólogos, a Universidade de Berkeley fornece aos indonésios economistas como assessores, a Universidade da cidade de Nova Iorque aceitou financiamento do Irã para um programa “cultural e acadêmico” com a finalidade de espionar as atividades de estudantes iranianos nos EUA” (TRAGTENBERG, 1990).

Esse processo aponta para determinações da produção intelectual nas universidades e outras instituições. Esse é o processo de produção, mas existe também um processo complementar, que é a reprodução desse saber a serviço do poder e aqui se torna mais evidente a importância da burocracia universitária e escolar, pois elas são as responsáveis por garantir o controle da produção e reprodução do saber nas instituições escolares.

No âmbito da reprodução, temos a relação entre professor/intelectual e estudante. O professor, com a passagem da universidade pré-moderna (“mandarinal”) para a universidade moderna (“tecnocrática”), deixa de ser “cão de guarda” para se tornar “cão pastor”. A universidade passa a buscar a formação de “fornadas” de “colarinhos brancos” para usinas, escritórios e dependências ministeriais. “É o mito da assessoria, do posto público, que mobiliza o diplomado universitário”. E isso vale até para os chamados “cursos críticos”, pois estes “desempenham a função de um tranquilizante no meio universitário” (TRAGTENBERG, 1990, p. 12).

Nesse contexto, Tragtenberg aponta para a ideia de “delinquência acadêmica”. Esta se opõe ao dito kantiano: “ouse conhecer”. Afinal, “se os estudantes procuram conhecer os espíritos audazes de nossa época, é fora da universidade que vão encontrá-los. A bem da verdade, raramente a audácia caracterizou a profissão acadêmica” (TRAGTENBERG, 1990, p. 13). Uma das doenças características da delinquência acadêmica é a separação entre o fazer e o pensar.

Nesse sentido, a educação serve para a reprodução do capitalismo, em todos os seus níveis. Essa reprodução ocorre via burocratização, que tem suas fontes fora das instituições escolas, nas burocracias das fundações, institutos, ministérios, e acabam chegando às instituições escolares e que, nestas, exercem o controle sobre professores e estudantes.

Educação, Autogestão e Emancipação

Esse quadro, no entanto, parece muito pessimista. Além disso, Tragtenberg, para quem lê o presente artigo apenas até aqui, poderia parecer um “reprodutivista”, ou melhor, um “crítico-reprodutivista”[7]. Porém, não é esta a posição de Tragtenberg e isso fica claro quando ele discorda explicitamente dos crítico-reprodutivistas:

A universidade não pode ser vista no âmbito da ótica funcionalista de Althusser ou Bourdieu, como formadora de ideias e pessoas a ‘serviço de’, mas como parte de uma rede complexa de interações entre os distintos mecanismos da superestrutura (instituições e ideologias, sistema político e realidade cultural) (TRAGTENBERG, 1990, p. 71).

Mas além dessa observação crítica, Tragtenberg traz mais elementos que mostram sua distinção em relação aos crítico-reprodutivistas. O ponto de partida dessa recusa da concepção crítico-reprodutivista é a sua concepção marxista e posição revolucionária. Essa recusa é, obviamente, uma recusa da educação burocrática e que serve ao processo de reprodução. E essa recusa ocorre através de dois processos que vão além da crítica de suas raízes, objetivos e interesses. Ou seja, além da recusa explicitada na crítica da educação burocrática acima apresentada, Tragtenberg aponta duas formas alternativas de educação em contraposição a ela. A primeira é externa às instituições escolares e a segunda é interna a elas.

No plano externo, Tragtenberg retoma a concepção de Marx sobre a autoeducação do proletariado[8]. E Tragtenberg reconhece isso ao colocar que a opção à educação burocrática “é a reafirmação dos princípios educacionais da Associação Internacional dos Trabalhadores, na sua defesa de uma ‘educação integral e igualitária’ como condição da autoemancipação dos trabalhadores e portanto de toda a sociedade” (TRAGTENBERG, 1980, p. 57). A ideia de uma nova educação voltada para a autoemancipação dos trabalhadores remete a uma nova forma para sua efetivação. E é nesse contexto que Tragtenberg aponta algumas características desta nova forma de educação:

Para tal, é necessário contrapor uma educação crítica. Da mesma maneira que o movimento que produz e reproduz o capital leva à produção e ampliação do trabalhador coletivo, na educação, o mesmo movimento que produz a pedagogia burocrática, cria condições para emergência de uma pedagogia antiburocrática fundada na:

Autogestão – supõe a gestão da educação pelos envolvidos no processo educacional; isso significa a devolução do processo de aprendizagem às comunidades onde o indivíduo se desenvolve (bairro, local de trabalho).

Autonomia do indivíduo – o indivíduo não é meio: é fim em si mesmo. No universo das coisas (mercadorias) tudo tem um preço, porém, só o homem tem uma dignidade. Negação total de prêmios ou punições.

Solidariedade – da mesma maneira que o capitalismo cria a competição entre os trabalhadores, para superá-la eles desenvolvem formas de solidariedade – sindicatos, por exemplo. Daí a educação autogestionária fundar-se prioritariamente não na competição e sim na solidariedade, ser uma educação crítica permanente das próprias formas educativas; antiautoritária, preocupando-se em desenvolver as potencialidades de cada um, eis que o indivíduo não vale tanto pelo que sabe quanto pelas pré-condições que tenha para saber mais; seja globalizante, não restrita ao taylorismo intelectual.

Estes objetivos aliam-se à autogestão do ensino, onde tenham poder decisório os envolvidos diretamente com o ensino (alunos, professores, pais); daí a necessidade de as Associações de Bairro participarem do controle desse Centros de Educação (TRAGTENBERG, 1980, p. 57-58).

Essa posição de Tragtenberg é derivada de sua concepção autogestionária e que aponta para a superação do capitalismo. Nesse contexto, a educação burocrática, reprodutora do capitalismo, deve ser combatida e alternativas devem ser produzidas para que ela uma nova forma de educação surja, tal como a autoeducação do proletariado. As experiências nesse sentido revelam a possibilidade de concretização desse processo, pois o saber operário foi “desapropriado” e ele necessita ser reapropriado pela classe operária, tal como ocorreu em algumas experiências históricas.

No plano interno, ou seja, no interior das instituições escolares, Tragtenberg também apresenta uma concepção alternativa, que é uma nova pedagogia. A constatação de Tragtenberg de que a educação moderna, especialmente as universidades, é organizada burocraticamente, cuja função é reproduzir as relações de produção capitalistas, aponta para uma percepção crítica e, ao mesmo tempo, a necessidade de uma alternativa. Tragtenberg observa a existência da contradição no interior da organização burocrática escolar: “a mesma realidade que cria a burocracia cria a oposição à mesma” (TRAGTENBERG, 1990, p. 58). Nesse contexto, Tragtenberg aponta para a contribuição de Lobrot, que, segundo ele, é fundamental:

Lobrot institui o conceito de uma autogestão pedagógica[9] partindo da ideia central de que a aprendizagem significativa se dá por meio de um interesse real. A autogestão pedagógica tem como centro não o programa, o professor, a instituição, mas o aluno. Ela é orientada no atendimento às motivações do aluno, daí sua disponibilidade à aprendizagem significativa. O mesmo se dá com o professor: de “máquina programada” ele passa a gerir com o aluno o programa (TRAGTENBERG, 1990, p. 59).

Além dessa breve referência a Lobrot, Tragtenberg não desenvolveu grandes reflexões ou dedicou obras específicas sobre a autogestão pedagógica. Porém, é nítida a sua proximidade com tal concepção, pelo menos no âmbito de projeto de educação[10], e isso pode ser visto em seus textos sobre a pedagogia libertária de Ferrer e algumas outras passagens. Em seu artigo sobre a Escola Racionalista ou Moderna, demonstra concordância com o pensador espanhol. A pedagogia de Ferrer “preocupava-se em desenvolver no aluno a análise crítica dos juízos, a valorização do pensamento científico, educando integralmente o homem, nos aspectos afetivo e racional”. Nesse contexto, a ideia de educação integral (afetiva e racional) e pensamento crítico é uma das características da “pedagogia libertária” de Ferrer. Ele trazia propostas como “coeducação de ambos os sexos”, “coeducação das classes sociais”, “higiene escolar”, renovação dos professores (inclusive uma “escola racionalista” para professores), fim de “prêmios e castigos”, abolição dos exames, etc.

Desse conjunto de propostas de Ferrer, algumas se encaixavam como luva nas concepções pedagógicas de Tragtenberg, tal como o fim de prêmios e castigos e a abolição do sistema de exames. Além dessa abordagem da pedagogia de Ferrer, Tragtenberg também comentou outros autores que alguns julgam defender uma “pedagogia socialista”, tal como Pistrak (TRAGTENBERG, 2011)[11]. Porém, nesses casos, Tragtenberg reafirma sua posição de crítica da educação burocrática (tal como a referência ao taylorismo por Pistrak) e a defesa dos elementos contestadores (tal como a ideia de Pistrak de “auto-organização das crianças”). A concepção pedagógica de Tragtenberg é, por conseguinte, centrada na ideia de autogestão e cujo objetivo é a emancipação humana.

Em síntese, Tragtenberg apresenta uma concepção de pedagogia alternativa ao que pode ser denominado “pedagogia burocrática”, ligada à educação burocrática. Por conseguinte, sua concepção de educação não apenas efetiva uma crítica da educação e escola burocráticas, incluindo as universidades, como também aponta para a necessidade de autoeducação do proletariado em suas próprias instâncias de luta e para uma renovação pedagógica libertadora.

Considerações finais

A abordagem sobre o pensamento educacional de Maurício Tragtenberg consistiu na busca em resgatar sua produção e seu caráter crítico. Sem dúvida, Tragtenberg retomou e apontou vários problemas da educação burocrática e não isolou este fenômeno, colocando-o como parte de uma “rede complexa de instituições”, bem como apontou para a necessidade de uma nova pedagogia.

Sem dúvida, a sua concepção de educação é crítica e vinculada ao projeto autogestionário, o que é seu ponto forte. Também é possível discordar de alguns elementos pontuais de sua concepção, tal como a ideia de “autogestão pedagógica”. Não se trata de recusar essa proposta pedagógica em si, pois enquanto projeto é o ideal, mas em alguns pontos particulares e a própria ideia de autogestão pedagógica[12]. A autogestão pedagógica de forma generalizada pressupõe a autogestão social. Ela é possível fora das instituições escolares, tal como no caso da autoformação, ou autoeducação, do proletariado.

Porém, para além desses detalhes, a obra de Maurício Tragtenberg sobre educação tem o mérito de mostrar o funcionamento da educação burocrática, seus vínculos com o poder e o capitalismo, numa ampla hierarquia burocrática, bem como os seus efeitos sobre a produção intelectual, sobre os intelectuais (professores e pesquisadores), sobre os estudantes. E deixar claro o pior efeito: a delinquência acadêmica, o conformismo, a reprodução da ideologia e da hegemonia, entre outros elementos. Da mesma forma, a crítica do sistema de exames e do burocratismo escolar é outro elemento importante. A retomada da ideia de Marx da autoeducação do proletariado e o apontamento para a necessidade de uma nova pedagogia, também são outras contribuições importantes de Tragtenberg. Nesse sentido, a concepção de educação de Maurício Tragtenberg deve ser resgatada e reconhecida como uma das mais importantes na contemporaneidade. Com sua obra, ele contribuiu para a consciência de que a escola é um “cemitério de vivos” (Lima Barreto) e a consciência é o pressuposto para a luta e a superação da situação que a gerou e é denunciada por ela.

Referências

 

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* Professor da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB).

[1] A erudição de Maurício Tragtenberg é o que podemos denominar “enciclopédica agregada”, na qual o domínio de uma grande quantidade de obras e autores é acompanhada por um eixo orientador que direciona o processo de leitura num sentido peculiar, que é o do autor/pesquisador. Assim, ela se difere da erudição enciclopédica fragmentária, na qual falta a agregação num eixo orientador e da erudição significativa, que é aquela na qual a erudição é marcada por uma síntese assimiladora que gera novas descobertas e teorias, como foi o caso de Marx.

[2] Esse é o caso de George Lapassade e René Lourau (VIANA, 2020b), autores que destacaram a ideia de “autogestão pedagógica”, que será retomada por Tragtenberg.

[3] Esse termo é um tanto quanto complicado e abarca aqueles que fogem do que Tragtenberg denominou “ortodoxia” (e também assim se autodenominavam), ou seja, a social-democracia e a ortodoxia kautskista e o bolchevismo e a ortodoxia leninista. Ambos os termos são problemáticos, pois ao considerar Kautsky e Lênin como marxistas ortodoxos, acaba considerando-os não apenas marxistas, mas fiéis ao pensamento de Marx, o que ele mesmo denunciava como equivocado. Da mesma forma, considerar Pannekoek, Gorter, etc., como “heterodoxos” significa colocá-los como discordantes do pensamento de Marx, sendo que são muito mais fidedignos do que os demais. Além disso, existem outros problemas com tal terminologia, já analisados em outro lugar (VIANA, 2018) e que por isso nos limitamos a estes aspectos.

[4] “Os aparelhos ideológicos não criam a ideologia; inculcam a ideologia dominante” (TRAGTENBERG, 1990, p. 44).

[5] Sem dúvida, o termo reprodução fez sucesso através das concepções funcionalistas e as adaptações estruturalistas para a sociologia e outras ciências humanas. E isso nem os supostos "marxistas", como Althusser (1989) e Lefebvre (2020) conseguiram escapar, pois o paradigma hegemônico na época era justamente o reprodutivismo (VIANA, 2019), que entra em crise a partir do Maio de 1968, mas ainda persiste até o final dos anos 1970.

[6] Quando Tragtenberg coloca a questão da opinião de alguém do Serviço de Informações e Segurança, está se referindo ao que era comum durante o regime militar e do qual ele mesmo fora vítima. Porém, o currículo invisível continua funcionando através do processo burocrático de coleta de informações sobre os professores, o que é reproduzido, inclusive, por outros professores. Mas além disso, é possível entender o currículo invisível também como um conjunto de relações, saberes, etc., que são os desejados pelas instituições e burocratas e professores/intelectuais que reproduzem esse processo. Em outra passagem, o próprio Tragtenberg já coloca esse termo num sentido mais amplo: “para o professor, há o currículo visível, publicações, conferências, traduções e atividade didática, e há o currículo invisível – esse de posse da chamada ‘informação’ que possui espaço na universidade, onde o destino está em aberto e tudo é possível acontecer”. É através da nomeação, da cooptação dos mais conformistas (nem sempre os mais produtivos) que a burocracia universitária reproduz o canil de professores” (TRAGTENBERG, 1990, p. 13).

[7] Os autores denominados “reprodutivistas” são aqueles que julgam que as instituições, tal como a escola, possuem a função de reprodução e não notam nenhum problema nisso, sendo que é o que elas devem fazer. Os “crítico-reprodutivistas” concordam com a existência da reprodução, mas possuem uma percepção crítica e negativa ao seu respeito. Porém, não apresentam nenhuma alternativa real. Entre os mais famosos crítico-reprodutivistas podemos citar Bourdieu e Passeron (1982), autores do livro A Reprodução.

[8] Marx aborda a autoeducação do proletariado, que se realiza no processo da luta de classes (MARX; ENGELS, 1988). Ela ocorreria no processo amplo de luta de classes, no qual temos, por um lado, a luta operária, que gera relações de solidariedade, mudança de valores e consciência, etc., reforçadas pelas lutas culturais na sociedade e pelo apoio que o bloco revolucionário e outros setores da sociedade (inclusive intelectuais dissidentes que rompem com as ideologias dominantes) que se aliam ao proletariado no sentido de contribuir com esta autoeducação. Assim, a ideia de autoeducação do proletariado de Marx faz parte de sua análise crítica da educação capitalista e forma de perceber a gestação de uma nova cultura que antecipa novas relações sociais, bem como expressa o seu esboço no momento em que se manifesta (VIANA, 2004).

[9] Aqui Tragtenberg comete um equívoco, pois Lobrot não criou o termo “autogestão pedagógica”. A criação desse termo é atribuída à Georges Lapassade, embora haja afirmações segundo a qual ele teria vários “criadores” (“pais”), e, nesse sentido, Lobrot poderia ser um deles. Sobre isso e sobre a disputa sobre quem criou o termo entre os adeptos do Movimento Freinet e os representantes da “pedagogia institucional”, consulte-se a tese de doutorado de Ducrot (2013). Porém, Tragtenberg certamente usou uma linguagem mais coloquial e o “instituir” aí não significa criar, mas “usar”. 

[10] A prática educacional, ou seja, como professor, de Tragtenberg mostra alguns elementos do que se chamou “autogestão pedagógica”, mas também elementos estranhos a ela (SILVA, 2008). De qualquer forma, não é possível pensar a autogestão pedagógica, tal como defendida pelos representantes da análise institucional, em apenas alguns elementos, em parcelas. Porém, as poucas passagens sobre autogestão pedagógica e termos próximos em Tragtenberg nunca foi no sentido de uma adesão às propostas dos representantes da chamada “pedagogia institucional”.

[11] Sobre Pistrak, cf. Golovaty, 2017a; Golovaty, 2017b.

[12] Entre estes pontos particulares há a ideia que ele retoma de Lobrot, o que parece significar sua concordância, de que “ autogestão pedagógica tem como centro não o programa, o professor, a instituição, mas o aluno. Ela é orientada no atendimento às motivações do aluno, daí sua disponibilidade à aprendizagem significativa”. Esse ponto é problemático – e cai no equívoco de todas as pedagogias não-diretivas –, pois se esquece da luta de classes e de que os estudantes, tal como existem hoje, são formados por e para esta sociedade, tal como já colocava Fromm (1981) e, portanto, centrar a educação apenas no aluno, tal como existe hoje, significa não compreender que este vai, espontaneamente, devido as determinações sociais (família, meios oligopolistas de comunicação, grupos juvenis, ideologias, redes sociais, paradigma hegemônica e sua popularização que atinge os indivíduos dessa sociedade) reproduzir elementos problemáticos da sociedade capitalista. É por isso que uma autogestão pedagógica não é possível no interior das escolas – cujo caráter burocrático não deixará de existir dentro da atual sociedade – e por isso o mais adequado é defender a pedagogia autogestionária (VIANA, 2015).

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Publicado originalmente em:

VIANA, Nildo. A Concepção de Educação em Maurício Tragtenberg. In: SILVA, Luzia Batista de Oliveira Silva; Antonio Gilberto Balbino. (Org.). Teoria Crítica e Teorias Críticas Latino-Americanas e Educação. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2020.

(a edição ficou sem a introdução por erro gráfico).