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domingo, 18 de setembro de 2016

FASCISMO PROLETÁRIO

FASCISMO PROLETÁRIO

 MAURÍCIO TRAGTENBERG


No dia 14/12/79 às 20h30, na porta do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, 30 elementos adeptos do jornal ‘A HORA DO POVO’, estranhos a categoria profissional, agrediram os membros da ‘Oposição Sindical Metalúrgica’ com cassetetes, correntes e barras de ferro, resultando ferimentos em Vito Giannoti e Raimundo de Oliveira, este, medicado no Pronto Socorro.
‘Só não conseguiram a eliminação física destes companheiros porque conseguiram refugiar-se num clube à rua Tabatinguera.’ (Carta Aberta aos Trabalhadores e à Opinião Pública em Geral da Oposição Metalúrgica). O que é de pasmar, é que os membros da Oposição Sindical refugiaram-se no Clube Militar lá existente (R. Tabantiguera) onde um coronel de revólver na mão impediu a invasão e agressão aos operários chamados: – Vocês tem que respeitar quem pensa diferente!
Tais acontecimentos suscitam reflexões. Os agressores são os mesmos que na última campanha salarial dos metalúrgicos investiram contra seus companheiros que deram ‘força total’ à campanha. Além do mais, são os que querem que os trabalhadores aceitem o famigerado ‘Pacto Social’ que beneficia exclusivamente a classe patronal, em suma, ‘são aqueles que batendo no peito se dizem marxistas-leninistas, mas no entanto, armam-se de correntes e cassetetes e vão a porta de nosso Sindicato colocar os operários ‘aventureiros’ na linha.’ (Carta Aberta, acima citada).
Isso mostra até que ponto o autoritarismo não se constitui em privilégio exclusivo do Estado e de seus agentes, porém, como um cancro infiltrou-se nos poros da sociedade civil, especialmente, no seio de grupúsculos que se jactam de dialéticos, porém, usam práticas fascistas como meios para chegar a seus pretensos fins: libertar a classe operária da exploração e da dominação. Ora, os fins a atingir são definidos pelos meios empregados, jamais se conseguirá desalienar uma classe batendo em seus membros com cassetetes, correntes, barras de ferro. Deus livre a classe operária de tais libertadores, ao contrário uma das condições de auto-libertação da classe consiste em livrar-se de tais ‘libertadores’ ou ‘representantes’.
Tais práticas fascistas mostram que, embora o fascismo como sistema político e ideologia tenha servido de escudo aos grandes monopólios na Itália e Alemanha, suas práticas se universalizaram no meio operário por meio de um seu irmão/inimigo: o estalinismo.
Estalinismo representou na história do movimento operário a formação de partidos que usam a linguagem de ‘esquerda’ e realizam uma ‘Prática-social’ conservadora, no melhor dos casos, próxima à direita tradicional.
Eis que a intolerância à divergência, o extermínio físico dos opositores no campo operário, a calúnia como arma política contra os ‘heréticos’ e ‘cismáticos’ se constituíram num arsenal político do estalinismo, especialmente vigoroso entre as décadas de 30/40.
Foi na Espanha, em plena guerra civil, que na área dominada pelo estalinismo deu-se uma das maiores repressões que a história conheceu à esquerda não autoritária. Assim, militantes da CNT (Confederação Nacional do Trabalho, de tendência socialista-libertária, membros do POUM (Partido Obreiro de Unificação Marxista), foram presos, torturados e mortos nas “tchekas” constituídas pelos adeptos de Carrillo. Enquanto lutavam contra Franco, esses militantes eram fuzilados pelas costas pela GPU (Polícia Secreta); a serviço do estalinismo. Resultado: foi mais, graças a essa repressão à esquerda não autoritária e menos o apoio de Hitler e Mussolini que Franco venceu a Guerra Civil, submergindo a Espanha em 50 anos de trevas.
A memória histórica é curta, especialmente no caso brasileiro.
Práticas autoritárias fascistas praticadas por minorias no movimento operário, se constituem no maior entrave ao crescimento da consciência social e política do operariado, socializam a insegurança e o medo; isso merece o repúdio da sociedade civil.
Eis que as divergências entre as várias facções no meio operário devem ser resolvidas mediante a discussão ampla e aberta dos problemas e não de sua ‘repressão’ mediante a violência de grupos organizados contra seus companheiros. Embora, a bem da verdade, seja importante notar que nenhuma das pessoas que vendiam a HORA DO POVO era da categoria (metalúrgicos), haja visto que todos ficaram na rua, enquanto a Assembleia transcorria normalmente no interior do Sindicato (Carta Aberta citada).
Isso mostra que os agressores eram figuras estranhas à categoria preocupados em aterrorizar aqueles que não rezavam por sua cartilha, que não aceitavam o celebérrimo ‘Pacto Social’, no melhor estilo de uma prática fascista, que, na falta de melhor qualificação, entendo como fascismo proletário, isto é, fascista de burocratas em cima de proletários.
É bem verdade, que tal prática fascista fora repudiada no Congresso da Anistia de Salvador, no I Congresso contra a Carestia em São Paulo, na Plenária dos Delegados de Área do Rio de Janeiro (que corresponde aos Comandos em São Paulo), pelos metalúrgicos de Guarulhos em Assembleia e pela Pastoral Operária. Porém, isso não basta.
Mais do que o repúdio a essa prática fascista dos adeptos da ‘HORA DO POVO’, Incube aos trabalhadores autênticos, organizados sob várias formas (Oposição Sindical, Associações de Bairro, Comunidade de Base) colocar em xeque esse fascismo proletário nascente, mediante a conscientização de que a imposição de qualquer ‘verdade’ pelo terror, no meio operário, está a serviço de seus piores inimigos, daqueles que exploram o trabalho operário na fábrica, como daqueles que a pretexto de se autoproclamarem sua ‘vanguarda consciente e organizada’, pretendem unicamente o poder de Estado, para se construir em nova classe exploradora.
Métodos repressivos utilizados contra a classe operária por qualquer facção – por mais ‘bem intencionada’ que esteja subjetivamente – objetivamente, contribuem para o obscurantismo, a intolerância e a prepotência pretensiosa ao ocuparem o espaço da discussão aberta, da crítica serena, condição da formação de uma consciência social e política.
É hora de relembrar a Espanha de 1936/39, onde êmulos espanhóis a ‘A HORA DO POVO’ esmagaram as correntes de esquerda não-autoritárias, permitindo a emergência e vitória do franquismo. Ainda sobra tempo para meditar nisso, porém, esse tempo é exíguo.
Texto originalmente publicado no jornal anarquista Inimigo do Rei, de março/abril de 1980.

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