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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O voto e as eleições

O voto e as ilusões


 Maurício Tragtenberg

O voto universal é a aparência do governo popular. Os eleitos acabam por emancipar-se da dependência do povo, e a política torna-se ciência oculta que a população não entende.
Há uma grande ilusão popular que o governo representativo eleito pelo sufrágio “universal” – analfabetos que constituem 50% da população não votam – seja o governo do povo ou o povo no governo. O regime representativo tem uma história que é importante conhecer para avaliar o quadro eleitoral atual no País.
No século XII as cidades libertaram-se do jugo do Senhor e “juraram” organizar-se autonomamente para defesa mútua, organização da produção e troca, durante quatro séculos são o refúgio do trabalho livre na Europa. Os comerciantes criam “conjurações” para defender-se nas cidades, independentes do Senhor, do Rei e da Igreja. Elas unem-se por um fórum, onde o povo é reunido pelo badalar dos sinos para discutir e resolver diretamente na praça seus problemas. O Senhor que inicialmente é chefe de um “bando” recebendo tributo e vendendo proteção, tornou-se Rei. O “fórum” expulsou-o e ele refugiou-se numa cidade nova. Com as guerras, vieram os exércitos permanentes, favoreceu-se a concentração do poder no Estado e as “comunas” urbanas decaíram e perderam sua autonomia. Nos séculos XIV e XV, formou o Rei o “Conselho de Nobreza” e o “Conselho do Clero” nascendo assim os parlamentos; com poder limitado: votação de créditos para guerra, dependiam de sua aprovação, diferente do poder ilimitado dos parlamentares atuais. Após o esmagamento das revoltas camponesas, com auxílio dos comerciantes concentra-se o poder do Rei, os subsídios transformam-se em impostos, a burguesia alia-se ao Rei e os camponeses são reduzidos à servidão.

A burguesia para defender-se da desobediência do povo e da recusa a pagar impostos, na Revolução Francesa, cria a Assembléia Parlamentar, fazendo-se defensora do governo representativo, onde o povo elege seus “defensores”: é o governo por procuração. O maior dos preconceitos políticos radica na fé num governo representativo, por procuração. Sob a Monarquia ou República ele mostra apenas que o povo não se governa a si próprio. Ele é governado por representantes vinculados ao poder econômico dominante na sociedade, às “máquinas burocráticas” dos partidos políticos. No processo eleitoral o povo abdica de sua própria iniciativa colocando-a nas mãos de uma assembléia de “eleitos”. As Constituições tradicionalmente desrespeitadas, são refeitas para uso de todos. Mesmo aqueles que pretendem mudar o regime de propriedade não ousam tocar no regime representativo, procuram preservar custe o que custar o governo sob procuração. O Parlamento, torna-se instrumento de intrigas palacianas, enriquecendo pessoal e carreirismo político.

A liberdade real implica em não ser representado abandonando tudo aos eleitos, mas, procurar lutar socialmente por si mesmo através das coletividades organizadas a partir dos locais de trabalho.

Ação direta do povo

Muitos acham que o regime parlamentar nos deu as liberdades políticas, esquecendo que a liberdade de imprensa, reunião e associação foi arrancada no país matriz do Parlamento – Inglaterra – através de ação direta do povo. Os operários no século XIX conquistaram seu direto à greve através da ocupação das manufaturas. Derrubando as grades do Hyde Park londrino onde era proibida sua entrada, conquistaram seu direito à palavra na rua. Atribuir aos parlamentos o que é devido à ação popular é pensar que basta existir uma Constituição para que haja liberdade e direitos respeitados.

O regime representativo introduzido na Europa pela burguesia trouxe algumas vantagens ao povo, porém, o monárquico sob os senhores feudais também o fizera, nem por isso endeusaremos a Monarquia.

O regime representativo surgiu com a burguesia e com ela desaparecerá. Qualquer governo, seja constitucional ou não, tem tendência a alargar seu Poder sobre o trabalhador e pelo Parlamento tende a legislar sobre tudo e intervir em tudo que é de sua competência ou não.

O voto universal é a aparência do governo popular; cada deputado é eleito por certo número de eleitores; o corpo eleitoral na sua totalidade não é representativo. O parlamentar para transformar um projeto em lei, tem que fazer concessões, transações, conchavos, onde as considerações clientelísticas e partidárias predominam. Os deputados, senadores ou governadores, longe do povo, acabam por aumentar seu poder, emancipando-se da dependência do povo, ou de “todo poder saído do povo” mas que a ele não volta. A política torna-se ciência oculta que o povo não entende.

Os candidatos defendem ferreamente seus programas, fa-lo-ão após eleitos?

Nesse processo político a propaganda dos princípios é substituída pela propaganda das pessoas. O único interesse dos partidos é a vitória das candidaturas.

A ilusão eleitoral em pensar que depositando ritualmente um voto numa urna, o povo detém algum poder de decisão quando o candidato é escolhido via “compra da legenda” em dinheiro, indicação via Comissão estadual ou federal, onde tem grande peso o “capital de relações sociais”.

A ilusão eleitoral, leva o povo à inércia, ao endormecimento, esperando que alguém lute por ele. No fundo, é uma escola de conformismo social, onde confunde-se mobilização popular real partindo dos próprios interessados em defenderem suas reivindicações, com, arregimentação de povo em comício onde alguém indicado fala por ele.

Administradores da crise

No quadro nacional observa-se a existência do PDS e PTB como situacionistas e PMDB, PT e PDT como oposicionistas.

O Partido Trabalhista Brasileiro criado por Vargas para conter o povo quando saía dos limites permissíveis estabelecidos pelo Poder, contou com forte apoio operário e forneceu a grande maioria dos “pelegos” sindicais e burocratas da Previdência Social, que infelicitam o País.

O PMDB tende a transformar-se quanto mais passa o tempo em PMDS. Isso é, em São Paulo, tenderá a definir os poderes de mando, nas mãos do “clã parental” do senador Montoro com apoio dos “quadros” do antigo Partido Democrata Cristão. Os “esquerdistas” do PMDB tenderão a se tornar marinheiros: irão ver navios.

Constituído como um conglomerado de tendências, essa grande “frente de aliança de classes” que é o PMDB só não implodirá após as eleições na medida em que seus governadores eleitos, tenderão nas mãos o poder de nomeação para milhares de cargos públicos.

O peso da classe média e da camada intelectual nesse processo político não é desprezível, assim, via partidária tenderão a ascender como "assessores do Rei” se constituindo em profissionais da denominação. Terão um discurso muito radical e uma prática muito medrosa.

Elegendo governadores em vários estados, o PMDB, nessa fase de crise do capitalismo mundial, elegerá os administradores da crise, que daqui a um ano ou pouco mais se verão na opção: reprimir o povo e continuar a testa do Estado ou não faze-lo e ser deposto pelo poder federal por não ter “salvaguardado” a ordem.

O Partido dos Trabalhadores que inicialmente constituiu uma esperança de valorização da auto-organização dos mesmos, ao eleger o caminho eleitoral e tende a formar, em cada trabalhador vereador, deputado ou senador, um ex-trabalhador.

Se não definir com clareza seu objetivo em termos de mudança estrutural, poderá ser cooptado pelo regime transformando-se em seu “braço esquerdo”.

A eleição de Mitterrand na França e de Gonzales na Espanha mostram a tendência do capitalismo em crise, optar por solução “social-democrática” (reformar para não mudar). Isso, na França, tem levado Mitterrand a propor o congelamento de salários e realizar uma política de “austeridade”, na mesma linguagem que o ministro Delfim Neto usa aqui há anos, e economistas do PMDB propõem como “solução alternativa” para a crise: racionalização. Esse conceito, pode significar para o trabalhador, a manutenção das condições terríveis de trabalho, superexploração da sua força de trabalho.

Vença quem vencer as eleições, nada muda no interior das fábricas, nos campos e nas oficinas. Nos escritórios, nos bancos, nos hospitais.

As relações hierárquicas de dominação e exploração continuarão as mesmas, só que administradas por um governo que, em “nome do povo”, poderá pedir-lhe “sacrifícios” e, se for o caso, usar o aparelho repressivo do Estado como usaram-no todos que ocuparam o poder de Cabral até hoje.

Não há soluções mágicas ou milagrosas. Um bom ponto de partida é definir que só mediante a ação livre e direta de todos os assalariados, auto-organizados a partir de seus locais de trabalho, podem esperar ser ouvidos e ter um lugar ao sol. No processo de suas lutas aprenderão a conhecer-se melhor e conhecer aqueles que em seu nome querem falar. Não há vida por procuração, cada um tem que viver a sua, assim como, não há luta por procuração, cada grupo humano tem que auto-organizar-se para travar a sua luta. A união dessas lutas será mais significativa que qualquer eleição. O Solidariedade é o maior exemplo. O resto é literatura, e má.


Concluindo, a ilusão eleitoral faz parte da “ilusão do político” onde intelectuais e políticos tendem a crer como suas (independentes da base econômica) as metas que se propõem a si e aos outros.

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