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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

BAR-ZOHAR: BEN GURION, O PROFETA ARMADO

 BAR-ZOHAR, M. Michel. Ben Gurion: o profeta armado. São Paulo: Editora Senzala, 1968 (386 p.) 

APRESENTAÇÃO.

MAURÍCIO TRAGTENBERG


Dizia Napoleão ser a política, a forma moderna  de  tragédia.  Por  outro  lado,  a  pureza dos princípios não só tolera como  requer  as  violências  e  Israel  não  é  a  exceção.    O    livro    tem    como    única  finalidade  recompor  a  imagem  de  Ben  Gurion após o “caso Lavon”.  


Ben   Gurion,   o   criador   do   Exército  Nacional,  o  pai  do  Estado  de  Israel,  o  vitorioso    estrategista    da    guerra    de  Independência,  é,  como  o  fôra  Trotski  também, atualmente um profeta  desarmado,  um  carisma  no  ostracismo,  sofrendo   uma   “desgraça”   inerente   à  condição  da  ação  política.  Aceitando  a  chance da glória, o político aceita o risco  da  infâmia,  um  e  outro  “imerecidos”.  A  ação política é “em si” impura na medida  em que é uma ação sobre o outro, dirigida  a grupos. Neste sentido nenhum político  é inocente. Governar é prever; e existe o  imprevisto: eis a tragédia.  


Neste   sentido,   descortina-se   o   “caso  Lavon”.  Este  fundador  do  movimento  pioneiro  GORDONIA,  veio  a  Israel  na  segunda  Aliá  (imigração)  da  década  de  vinte. Membro  do  movimento  Kubatziano  “coletivista  agrário”  exercei  altos cargos no Hapoel Hatzair (o jovem  trabalhador) que serviu de base ao Mapai   foi  cientista  político  e  professor da  Fundação Getúlio Vargas (SP) e autor do livro “Refl exões sobre o socialismo”.   (partido  trabalhista  de   Israel)  ocupando  o    cargo    de    Ministro    da    defesa    e  Secretaria  Geral  da  Histadrut  (central  trabalhadora). Atualmente com 70 anos é  um   símbolo   de   seriedade,   honradez,  respeito   pela   juventude   universitária.  Parecem-nos   inadequados   à   sua   real  personalidade, os conceitos emitidos por  Bar-Zohar nesta obra.  


Lavon  é  um  político,  portanto  não  é  “inocente”.    A    maldição    da    política  consiste em traduzir os valores em fatos.  Neste  campo  toda  vontade  vale  como  previsão  e  todo  prognóstico  é  cumplicidade. Neste sentido, Lavon fora  absolvido   pela   Comissão   Especial   de  Inquérito  formada  a  mando  de  Eskhol  a  respeito  da  “Operação  Egito”,  operação  de espionagem que terminara num fiasco  com   a   detenção   dos   implicados   por  Nasser.  


Lavon  vivera  dramaticamente  o  conflito  entre  a  moral  da  responsabilidade  que  julga  conforme  os  efeitos  dos  atos  e  a  moral   da   consciência,   que   coloca   a  necessidade da obediência incondicional  dos  valores  quaisquer  que  sejam  suas consequências. Sem dúvida, ele ordenara  o incremento das ações de represálias aos Fedayn     (bandos árabes     armados), ocasionando  inúmeras  mortes.  A  morte na  ação  política  ou  militar  não  é  um mundo que termina, é um comportamento  que  se  extingue;  daí  ser  impossível  governar  com  o  “Sermão  da  Montanha”    ou    com    o    “imperativo  categórico” de Kant. No entanto, perdem  qualquer   fôro   de   verossimilhança   as  palavras  que  Bar-Zohar  coloca  na  boca  do  humanista  Lavon,  ao  referir-se  às  ações  antiárabes.  “Pode  destruir  tudo,  coisa  e  pessoas;  os  árabes  não  usam  móveis luxuosos”.  


Sentimos que aqui fala mais o adepto do  carisma de Ben Gurion do que o repórter  imparcial dos fatos. O autor apresenta um  histórico da formação do Estado através  de uma Personalidade, no sentido de um  Plutarco  moderno,  muito  próximo  dos  “Panegíricos  Latinos’.   Ben  Gurion,  o  organizador    sindical,    o    homem    de  Biltmore,  o  organizador  do  Exército,  do  Estado  judeu  é,  sem  dúvida,  uma  figura  épica.  É  um  carisma  na  época  atômica:  essa evolução é que o livro descreve.  


Apenas    devemos    notar    que    certos  aspectos que o autor atribui a Ben Gurion  são o “resultado” de uma atitude conjunta  do   governo   e   do   Mapai,   como   o  estabelecimento    de    relações    com    a  Alemanha  Federal,  o  estreitamento  de  relações com a França, que forma objetos  de uma decisão global do governo.  


Assim, perpassa pelo livro da história de  um   povo   vinculado   ao   surgimento   e  declínio de um personagem, Ben Gurion,  carisma  cheio  de  boas  intenções,  mas,  por sua ação, profundamente munido de  messianismo profético que o afastava de  qualquer diálogo com os homens de sua  geração. A sua maior penetração no meio  dos  jovens  deve-se,  possivelmente,  ao  “Velho” encarnar o Pai que ansiosamente  a  juventude  procura  numa  fase  de  seu  desenvolvimento.  

Sem dúvida que a absolvição de Lavon e  ostracismo  de  Ben  Gurion  supõem  a  contingência na História, sem a qual não  há  culpados,  em  política,  e  a  nacionalidade na História, sem a qual há  loucos. Não há o “outro” como existência  pura. Uma consciência pura num estado  de  inocência  original  inexiste.  São  os  pactos  com  o  demônio:  o  de  reparações  coma   a   Alemanha,   a   aliança   com   a  França  e  a  Inglaterra,  por  ocasião  de  Suez,   como   reação   ao   fornecimento  maciço    de    armas    ao    Egito    pela  Checoslováquia.  Tudo  isto  mostra  que  em política inexistem belas almas, perde- se  o  álibi  das  boas  intenções.  Não  há  escolha   entre   pureza   e   violência.   A  pureza  das  ideias  sionistas  socialistas  coexiste com a campanha do Sinai, com  as armas francesas. Há apenas a escolha  entre as diversas formas de violência. Em  suma,   quem   tem   a   razão   histórica  (armada)  pode  dispensar  a  razão  teórica  (ideológica).  


Num mundo onde só há poder de alguns,  resignação  de  outros,  o  profeta  amado,  descrito  por  Bar-Zohar,  constitui  realmente  a  versão  hebraica  de  Maquiavel  e  o  “Príncipe”  é  substituído  pelo “Velho Testamento”.  


O  Profeta  Armado  se  constitui  numa  súmula da formação do Estado de Israel,  e sua luta pela coexistência comum com  o   árabe,   suas   tentativas   fracassadas.  Surgindo  Israel  com  a  complacência  do  Ocidente,  porém,  sem  contar  com  seu  apoio     total,     o     “pacto     periférico”  idealizado por Ben Gurion com a Etiópia  e  a  Pérsia  constitui-se  numa  resposta  diplomática,    no    plano    árabe,    seu  “engajamento”    com    a    França,    sua  resposta  à  política  calculista  do  “State  Department”  e à rejeição soviética. 


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