Maurício Tragtenberg: contribuições de um marxista
anarquizante para os estudos organizacionais
críticos*
Ana Paula Paes de Paula**
Sumário: 1. Introdução; 2. Visões do anarquismo: o marxismo anarquizante de
Mauricio Tragtenberg; 3. Contribuições de Maurício Tragtenberg para os estudos
organizacionais críticos; 4. Conclusão.
S ummary: 1. Introduction; 2. Anarchist visions: anarchistic Marxism of Maurício
Tragtenberg; 3. Contributions of Maurício Tragtenberg to critical organizational
studies; 4. Conclusion.
Palavras -chave: estudos organizacionais críticos; anarquismo; autogestão; teoria
organizacional.
Key words : critical organizational studies; anarchism; self-management; organizational
theory
Este artigo analisa as contribuições de Maurício Tragtenberg no campo da crítica da
administração. Para tanto, são examinadas suas três principais contribuições para
esses estudos, tendo como referência o marxismo anarquizante que permeia seu
pensamento: a crítica da burocracia, a crítica das teorias administrativas e a crítica
da co-gestão. A intenção é demonstrar que suas críticas estão diretamente relacionadas
com a visão anarquista que sustenta seu pensamento libertário e sua defesa da
autogestão. Concluindo, avalia-se a atualidade do pensamento de Tragtenberg em
um contexto de revival e resgate da utopia anarquista, apontando caminhos para os
estudos organizacionais que podem ser realizados de acordo com essa perspectiva.
1. Introdução
A partir da década de 1990, os estudos críticos em administração começaram a
ganhar espaço no campo dos estudos organizacionais. Esses estudos, voltados
para a emancipação e a criação de sociedade e lugares livres da dominação,
além de oferecerem insumos para uma maior reflexividade na análise das organizações
(Alvesson e Deetz, 1999), vêm se organizando fundamentalmente
na Inglaterra. No entanto, no caso brasileiro é possível constatar que estudos
com o mesmo teor vêm sendo realizados há tempos por autores como Alberto
Guerreiro Ramos, Maurício Tragtenberg e Fernando Prestes Motta.
Partindo do princípio de que existe no Brasil uma tradição autônoma de
estudos críticos, este artigo analisa as contribuições de Maurício Tragtenberg
no campo da crítica da administração. Como observaram Segnini (2001) e
Bruno (2001), Tragtenberg foi um dos pioneiros neste tipo de crítica e teve
o mérito de realizá-las dentro de uma escola de administração. Por meio da
sistematização dos livros Burocracia e ideologia (Tragtenberg, 1974) e Administração,
poder e ideologia (Tragtenberg, 1980a), além de outros textos que
compõem a sua obra, foi possível mapear suas três principais contribuições
nesse campo do conhecimento:
* a crítica da burocracia como fenômeno de dominação e da visão de Weber
como seu ideólogo, esclarecendo que Weber é um dos maiores críticos da
dominação burocrática;
* o estudo das teorias administrativas como produtos das formações socioeconômicas
de um determinado contexto histórico que, ao manterem a divisão
entre planejadores e executantes do trabalho, perpetuam a opressão do
trabalhador e impedem sua autonomia;
* a crítica da ideologia participacionista presente nas experiências de co-gestão
e a defesa da autogestão como saída tanto para a emancipação dos
trabalhadores quanto da sociedade civil.
Essas contribuições de Tragtenberg, no entanto, ficam desprovidas de
sentido quando não são examinadas a partir da moldura teórica que sustenta
seu pensamento e orienta sua obra: o anarquismo. Para compreender essa face
de seu pensamento é fundamental analisar também alguns de seus escritos políticos,
que ainda não foram suficientemente explorados pelos acadêmicos da
área de administração. A partir deles é possível apreender as intenções de seu
trabalho como intelectual e jornalista, perceber com mais clareza a atualidade
de seu pensamento, bem como entender o que move sua crítica da administra-
ção, alinhavando uma obra que a princípio pode parecer fragmentada.
Assim, na primeira parte deste artigo, analisa-se o pensamento anarquista
de um modo geral e o marxismo anarquizante de Maurício Tragtenberg,
em particular. Na segunda parte são examinadas as três principais contribui-
ções do autor para os estudos organizacionais críticos — a crítica da burocracia,
a crítica das teorias administrativas e a crítica da co-gestão e defesa da
autogestão —, tendo como referência seu alinhamento com o anarquismo.
Na conclusão, avalia-se a atualidade do pensamento de Tragtenberg em um
contexto de revival e resgate da utopia anarquista.
2. Visões do anarquismo: o marxismo anarquizante de
Maurício Tragtenberg
Antes de explorar as várias visões anarquistas, é importante chamar a atenção
para o fato de que costuma ocorrer uma simplificação conceitual do mesmo,
que em geral é apontado como uma negação do Estado, quando a origem da
palavra quer dizer “contrário à autoridade”. Na realidade, quando o anarquismo
propõe uma sociedade sem Estado e sem governo, está sugerindo uma
sociedade sem autoridade e burocracia, o que não implica uma sociedade sem
organização, mas uma sociedade organizada de maneira autônoma a partir
das bases e fundamentada na educação integral dos indivíduos.
A História das idéias e movimentos anarquistas de Woodcock (2002) evidencia
que o anarquismo não é uma ideologia unívoca. Embora haja alguma
unanimidade em torno da necessidade de abolir o Estado da valorização da individualidade
e da importância da educação no processo revolucionário, existe
uma grande heterogeneidade de opiniões, pois ainda que os seus defensores estejam de acordo em relação ao fim último de suas propostas, há divergências
no que se refere à melhor tática para consegui-lo.
Luizetto (1987) aponta pelo menos três escolas:
* a individualista — representada por Max Stirner na Europa e Josiah Warren
nos Estados Unidos, essa escola defende uma irrestrita liberdade individual
opondo-se a Marx e às demais escolas anarquistas, pois não propõe modelos
coletivos de produção;
* a mutualista — representada por Proudhon, ocupa uma posição intermediária entre o modelo individualista e o modelo socialista. Defende a liberdade
individual e a singularidade do homem, mas propõe uma sociedade entre
os produtores independentes para constituir e administrar associações voluntárias,
financiadas pelo banco do povo. Há uma polêmica em torno da
visão que Proudhon tem da propriedade privada — alguns enfatizam sua
posição de crítico, mas outros destacam que ele não defende sua abolição
principalmente nos escritos tardios;
* a socialista, que é composta por duas correntes:
- a coletivista — encampada por Bakunin, que propõe a fusão entre a teoria
federalista de Proudhon (a organização livre dos produtores independentes)
e a teoria socialista (propriedade coletiva dos meios de produção
e abolição da propriedade privada), defendendo que cada um seja remunerado
de acordo com o seu trabalho;
- a comunista — defendida por Kropotkin e Malatesta, que adota a fórmula
de Bakunin, mas vê uma compatibilidade entre anarquia e comunismo,
defendendo que cada um participe com seu trabalho e seja remunerado
de acordo com seus desejos e necessidades.
Segundo Costa (1980), com o tempo os mutualistas, considerados pelos
seus oponentes meros reformistas, perderam a força para as correntes anarquistas
socialistas. No século XX, essas correntes desembocaram no anarcosindicalismo
representado por Rudolf Rocker, que após a morte de Kropotkin
se tornou o maior valor intelectual do anarquismo internacional. Ainda que
os anarquistas resistam à idéia de elaboração prévia de planos e programas a
serem aplicados no caso do êxito da revolução social, Kropotkin sugere algum
planejamento para evitar o caos que ocorreu na Comuna de Paris. Segundo Leval
(2002), é Kropotkin que introduz o conceito de planificação, que pode ser
definido como um planejamento da produção pelos trabalhadores por meio
de assembléias e representantes diretos, que produziriam não decisões, mas projetos a serem apreciados e aprovados, realizando-se uma coordenação de
atividades a partir de centros múltiplos.
Os anarco-sindicalistas se caracterizam por ter uma concepção bem definida
para a organização e coordenação da sociedade. Além disso, o anarcosindicalismo
costuma apontar o sindicato como responsável pela organização
da sociedade no lugar dos partidos políticos, mas frisando que esse sindicato
seria diferente dos sindicatos tradicionais existentes, pois representaria a federação
dos conselhos operários e não um órgão de defesa dos trabalhadores.
Berthier (2002) descreve a concepção anarco-sindicalista de sociedade partindo
da definição de autogestão: a elaboração de estruturas organizacionais que permitam
que os próprios trabalhadores sejam responsáveis por sua emancipação.
Essas estruturas seriam organismos de base que permitem a expressão
dos trabalhadores tanto no plano da empresa quanto na comunidade em que
estão inseridos, ou seja, organismos que são simultaneamente econômicos e
políticos. Em um regime de autogestão, a organização geral da sociedade se
daria por meio do federalismo, que é a representação e a expressão dos interesses
coletivos dos trabalhadores. Assim, as decisões seriam tomadas por
meio da discussão a partir da base até chegar ao cume, passando por uma
sucessão de conselhos e organismos de deliberação que exprimem o pensamento,
o interesse comum e as decisões coletivas.
O anarquismo de Maurício Tragtenberg é um caso singular, pois não se
alinha diretamente com nenhuma dessas tendências. É possível notar críticas à
Bakunin (Tragtenberg, 1986b) e uma certa simpatia por Kropotkin, pois é a partir
do seu pensamento que Tragtenberg (1987:7) faz sua definição de anarquismo:
"uma sociedade que não está submetida a nenhuma autoridade vertical e em
que as associações voluntárias interligadas substituem o Estado na tarefa de
articular as partes da totalidade social. Sociedade basicamente fundada na solidariedade,
na qual esta é obtida por acordo entre os diversos grupos sociais,
territoriais e profissionais livremente estabelecidos no âmbito da produção e do
consumo social".
Teríamos assim uma rede entrelaçada de uma infinita variedade de grupos
e federações locais, regionais, nacionais e internacionais, voltada para os
mais diversos objetivos (produção, consumo e troca, comunicações, serviços
sanitários, educação, proteção mútua) e necessidades (científicas, artísticas,
literárias, de relacionamento social).
Entre os estudiosos do pensamento de Tragtenberg não há um acordo
sobre suas posições anarquistas, mas o próprio Maurício se define como um marxista anarquizante (Tragtenberg, 1991). Declara assim que aceita as teses
econômico-sociais de Marx, mas se opõe ao marxismo-leninismo-stanilismo-trotskismo
que gerou o fetichismo do partido político e da representação
parlamentar e, na opinião dele, é responsável pelo fracasso das experiências
socialistas. Defende que o anarquismo tem uma contribuição importante no
nível das superestruturas, na análise dos movimentos sociais, na questão da
luta contra a burocracia e na defesa da liberdade como valor. É importante
notar que em seu primeiro livro Planificação: desafio do século XX (1956), Tragtenberg
já demonstrava sua afinidade com o anarquismo, pois realiza uma
crítica da estatização dos meios de produção nos regimes capitalistas e socialistas
então vigentes apontando a planificação sugerida por Kropotkin como
caminho de mudança.
Por outro lado, a análise da obra de Tragtenberg permite situá-lo entre
os anarco-marxistas, que também são denominados marxistas libertários, socialistas
libertários, comunistas libertários, comunistas conselhistas ou marxistas
autogestionários. Também não há um consenso sobre o que seria o anarco-marxismo,
pois alguns de seus adeptos não aceitam as posições do suposto
anarco-marxista Daniel Guérin.
No entanto, há um anarco-marxismo descrito
por Viana (2005) que se aproxima muito das idéias defendidas por Tragtenberg
e que se caracteriza por:
* uma simpatia pelas teses conselhistas e luxemburguistas, ainda que se façam ressalvas ao anarquismo de Rosa Luxemburg, que foi uma mulher de
partido, mas fez uma defesa séria da liberdade política;
* uma leitura heterodoxa do marxismo, expressa na crítica da ditadura do
proletariado e na afinidade com autores como Pannekoek, Korsch, Mattick,
Makhaïski, Gorter e Bordiga;
* uma negação do papel de vanguarda do partido e do sindicato, que é considerado
uma ideologia da burocracia;
* uma negação das experiências do socialismo real e da revolução bolchevique,
em especial da burocratização nelas promovidas, rejeitando a necessidade
de um período de transição entre o capitalismo e o comunismo;
* uma identificação entre o comunismo e a autogestão.
Na obra de Tragtenberg essas características são uma constante. Por
exemplo, no artigo “Rosa Luxemburgo e a crítica dos fenômenos burocráticos”
(1991), ele reconhece que Rosa não é uma anarquista, mas elogia sua
crítica à burocratização dos partidos, ao projeto da socialdemocracia e ao sindicalismo tradicional, bem como sua ênfase no papel dos conselhos. De
acordo com Silva (2004), Tragtenberg é muito cético em relação às soluções
negociadas no âmbito do Estado e por isso afirma que a autogestão seria a
única estratégia eficaz na luta dos trabalhadores. Já nos livros Reflexões sobre
o socialismo (1986c) e A revolução russa (1986a), Tragtenberg deixa claras
suas críticas ao regime bolchevique, que teria abafado levantes autogestionários
como a rebelião de Kronstad, a Makhnovistchina, a revolução húngara
e a primavera de Praga, além de burocratizar-se e absorver a organização
taylorista do trabalho.
Em Marxismo heterodoxo (1981a), Tragtenberg critica as noções de
ditadura do proletariado e partido hegemônico propagadas pelos leninistas
e stalinistas. Ele discorda que Marx aceitasse tais noções e resgata o
pensamento de marxistas heterodoxos como Pannekoek, Matick, Makhaïski,
Bordiga e Gorter, que defendem a autogestão. No artigo “Marx/Bakunin”
(1986b), Tragtenberg também sai em defesa de Marx, rejeitando as acusa-
ções de autoritarismo feitas por Bakunin a Marx na Primeira Internacional
Socialista e criticando o centralismo existente nas organizações secretas que
o próprio Bakunin fundava. Na sua visão, seriam corretas as leituras de Rosa
Luxemburg, Korsch e Lukács feitas da obra de Marx, pois elas indicam que
a ditadura do proletariado se assemelha à estrutura autogestionária da Comuna
de Paris.
Como é possível perceber, a defesa da autogestão, na figura de organizações
horizontais como comitês de greve, comissões de fábrica, conselhos
operários e organizações de base, é central no pensamento de Tragtenberg
(1986c). Na sua visão, o predomínio da autogestão nos campos econômico,
social e político desafia a verticalidade das relações com o Estado, criando
condições para extingui-lo, uma vez que as decisões e a execução das mesmas
ficariam nas mãos dos trabalhadores e dos cidadãos. Entre as experiências reais
de autogestão, Tragtenberg indica a Guerra Civil espanhola que se deu no
período de 1936-39. Nessa época ocorreu de fato uma coletivização das terras,
das fábricas e dos meios de transporte no país, mas o levante autogestionário
acabou sendo sabotado durante o combate ao franquismo.
Tragtenberg também segue a tendência anarquista no que se refere ao
desenvolvimento de iniciativas de natureza educacional, discutidas por pensadores
como Proudhon, Robin e Ferrer. Na obra de Tragtenberg (1979) isso se
manifesta na crítica da universidade e na denúncia da delinqüência acadêmica.
Maurício denuncia em seus escritos as relações cada vez mais opressivas e
desiguais entre professores, alunos e burocratas do ensino, além da transformação
da universidade em uma mera formadora de quadros para mercado, uma “multiversidade” que ensina tudo que o aluno possa pagar, descompromissada
com a produção do conhecimento e do saber.
Segundo Silva (2004), o olhar de Tragtenberg sobre a educação é aná-
logo ao olhar pedagógico dos militantes anarquistas e libertários, baseando-se
na autogestão, na autonomia do indivíduo e na solidariedade. Dessa forma,
Tragtenberg defende: o autodidatismo tanto no ensino informal quanto no ensino
formal, a pedagogia antiburocrática, as decisões em assembléia, a postura
independente de partidos políticos e a tradução de idéias complexas para uma
linguagem acessível. Seu exercício dessa pedagogia se manifesta na postura
de intelectual orgânico dos trabalhadores no tempo em que redigiu a coluna
“No batente” do jornal Notícias Populares.
3. Contribuições de Maurício Tragtenberg para os estudos
organizacionais críticos
Nesta seção, analisa-se as três principais contribuições de Maurício Tragtenberg
para os estudos organizacionais críticos: a crítica da burocracia, a crítica
das teorias administrativas e a crítica da co-gestão e defesa da autogestão. Durante
esse percurso, utiliza-se como referência o alinhamento de Tragtenberg
com o pensamento anarquista de modo a revelar que é esse projeto político
que motiva suas críticas.
Estudo de Weber e crítica da burocracia
Maurício Tragtenberg foi um estudante criterioso de Weber e sua atração pela
obra do autor se justifica por uma identidade com as preocupações dele em
relação aos problemas da racionalização, da secularização e da burocratiza-
ção das estruturas sociais. O prefácio de Tragtenberg no livro Metodologia
das ciências sociais, de Weber, revela que essa identidade não é motivada pela
questão da burocracia em si, mas pela inquietação weberiana com dois fenô-
menos básicos da modernidade, que circundam a burocratização: a perda do
significado da vida e a perda da liberdade. Logo, é como pensador libertário
que Tragtenberg busca analisar Weber. Assim, a crítica da burocracia que faz
a partir do pensamento de Weber está diretamente conectada com o projeto
emancipatório anarquista no qual aposta.
Em Burocracia e ideologia (1974), Tragtenberg realiza uma leitura rigorosa
da obra de Weber, mostrando não só a validade como também os limites de seu pensamento. Traça um retrato vivaz do autor ao mostrar sua angústia
com a crise do liberalismo alemão do seu tempo, além de discutir as profecias
weberianas. Para Tragtenberg, o interesse de Weber pela política e a burocracia
está relacionado com suas preocupações quanto à realidade social alemã,
pois Weber pressentia o risco da burguesia aliar-se com a burocracia contra
a democracia, o que de fato ocorreu depois por meio do nazismo. Além disso,
Weber também antecipou a desilusão do socialismo real apontando que a
estatização da economia na Rússia implicaria o aumento da burocratização
redundando em uma ditadura da burocracia (Tragtenberg, 1976). Da mesma
forma, Weber anteviu a falácia revolucionária da socialdemocracia, uma vez
que viria a converter o marxismo em uma ideologia justificativa da burocracia,
manifesta no aparelhamento necessário ao welfare state.
Segundo Tragtenberg (1974), para Weber democracia significa a influ-
ência dos cidadãos na administração da economia. Na visão weberiana, um
parlamento ativo auxilia nessa tarefa, pois quando o Parlamento é denegrido,
o capitalismo e a burocracia costumam se aliar contra a democracia, impedindo
que os cidadãos se manifestem. Por esse motivo, Weber critica a “democratização
passiva” condicionada pela modernização, que leva à conversão dos
políticos em funcionários públicos, substituindo o ethos da vocação política
pelo ethos da burocracia. A alternativa que Weber sugere à burocracia é a
organização dos consumidores em cooperativas com produção regulada pela
procura e mediada por um parlamento livre que os defendesse.
Tragtenberg ainda demonstra que Weber aponta a burocracia como um
tipo de poder e organização e como um sistema no qual a divisão do trabalho
é racionalmente estabelecida e se dirige para os fins. Assim, a burocracia
se caracteriza pelo formalismo, as normas escritas, a estrutura hierárquica e
a divisão horizontal e vertical do trabalho. Dessa forma, para Tragtenberg,
Weber não estuda a burocracia para salientar suas virtudes organizacionais;
pelo contrário, o faz para refletir como podemos nos defender de seu avanço
implacável e de sua quase impossibilidade de destruição.
Além de demonstrar que Weber não é um ideólogo da burocracia, Tragtenberg
enfatiza que a mesma é um fenômeno historicamente situado e uma
forma de dominação. Na verdade, a burocracia transcende o tipo ideal weberiano,
pois não se esgota como fenômeno técnico e organização formal; é
acima de tudo um fenômeno de dominação e um sistema de condutas significativas.
Assim, para caracterizar a burocracia não basta uma enumeração de
critérios: é preciso um estudo de sua dinâmica interna e da forma como ela se
enraíza na sociedade e aumenta seu poder. Analisando a teoria da burocracia
em Hegel e Marx, que examinam a classe de funcionários, Tragtenberg conclui que ao se restringir à questão da organização formal, o modelo weberiano
deixa de explicar situações como coletivismo burocrático.
Nessa situação,
a burocracia não é agente dos detentores do poder econômico como ocorre
no capitalismo clássico, pois ela própria monopoliza os poderes econômico e
político, tendendo a se tornar autônoma como um poder acima da sociedade.
Em outras palavras, não é o tipo ideal weberiano que determina o que é
ou não uma burocracia, de modo que identificá-la pelas características elencadas
por Weber não é suficiente. Há uma burocracia quando se tem um grupo
que, a pretexto de representar os interesses coletivos, monopoliza os poderes
econômico e político, ou é agente dos detentores do poder econômico, para
validar seus interesses privados, afastando a massa e/ou os trabalhadores do
processo decisório. As estratégias utilizadas pelo referido grupo não serão
sempre as mesmas e nem as suas características. Assim, para identificar a
burocracia na estrutura da empresa, é preciso transcender o hábito de caracterizá-la
a partir do tipo ideal weberiano para interpretá-la como um fenômeno
historicamente situado e uma forma de dominação.
Tragtenberg concorda com o diagnóstico de Weber sobre a burocracia,
mas como marxista anarquizante discorda da posição liberal weberiana que,
em plena crise do liberalismo, continua apontando o Parlamento como via
para a democracia.
Dessa forma, utiliza o pensamento weberiano para analisar
o fenômeno burocrático, mas busca outros caminhos para a solução desse
problema, valorizando a autogestão. Tomando a análise do pensamento de
Weber como ponto de partida, defende que o exame das teorias administrativas
deve partir da burocracia como poder, pois ela é aparelho ideológico que
congrega essas teorias e também é produto e reflexo do contexto histórico e
socioeconômico no qual está inserida.
Crítica das teorias administrativas
O interesse de Tragtenberg pelas teorias administrativas está no bloqueio que
elas representam para a autogestão na medida em que promovem a separação
entre os planejadores e executantes do trabalho, oprimindo e controlando o
trabalhador.
Assim, ele estuda as teorias administrativas como produtos de
determinadas realidades históricas, analisando principalmente a Escola Clássica
e a Escola de Relações Humanas. Tragtenberg (1974) parte das seguintes
premissas:
* as teorias administrativas são produtos das formações socioeconômicas de
um determinado contexto histórico, de modo que são extremamente dinâmicas na sua potencialidade de se adaptar às demandas do modelo de
acumulação capitalista e regulação social vigentes;
* as teorias administrativas se expressam de duas maneiras:
- ideologicamente, ao se manifestarem como idéias desistoricizadas que
recorrem a disfarces mais ou menos conscientes para esconder a verdadeira
natureza da situação;
- operacionalmente, ao constituírem práticas, técnicas e intervenções consistentes
com essas idéias.
Em Burocracia e ideologia (1974), Tragtenberg afirma que as teorias
administrativas, inspiradoras do modo fordista de produção, constituem harmonias
administrativas, uma vez que recorrem a uma abordagem positivista
das relações sociais. Na sua visão, tal inspiração positivista levou as teorias a
se caracterizarem pela negação, ou manipulação dos conflitos, pela utilização
de mecanismos diretos ou indiretos de controle social, que garantem a produtividade
e promovem um ordenamento harmônico das relações no mundo do
trabalho.
Constitui-se, assim, na visão de Tragtenberg, a ideologia da harmonia
administrativa que, ao dissimular a natural tensão entre os interesses dos empresários
e dos trabalhadores, dispersa as energias individuais e sociais direcionadas
para a democratização das relações no mundo do trabalho. Isso possibilita
a perpetuação das relações de dominação, reduzindo as perspectivas de
emancipação humana nas organizações. Em outras palavras, a harmonia administrativa
favorece a produtividade e a ordem nas organizações, mas está muito
longe de promover a liberdade do trabalhador e viabilizar a autogestão.
Antes de tratar das teorias administrativas propriamente ditas, Tragtenberg
procura reconstituir o contexto histórico que permitiu a reprodução das
mesmas, bem como resgata as idéias de alguns sociólogos sobre a consolida-
ção do capitalismo. Seu ponto de partida é a Revolução Industrial, analisando
a situação da Inglaterra, onde tudo começou e se desenvolveu em função do
primeiro impulso de acumulação de capital. Esse impulso inicial envolve dois
fatores: o cercamento de terras e a Revolução Comercial, que se apóia na
indústria têxtil e na Marinha Mercante. Em seguida, Tragtenberg compara
a Inglaterra e a Alemanha, onde a Revolução Industrial foi gradual e incompleta,
uma vez que persistiu o sistema de guildas e faltou um Estado mais
centralizado.
Discute então a reação intelectual à Revolução Industrial que partiu dos
positivistas ligados ao socialismo utópico como Saint-Simon, Proudhon, Fourier
e também de Karl Marx. Os primeiros se notabilizaram por negar o espírito
revolucionário e louvar as soluções pacíficas e organizadoras para restaurar
o progresso e a ordem social. Já o marxismo se destaca por ser uma filosofia
da ação, baseada na vontade humana, que fomentaria uma revolução a fim de
destituir a classe burguesa de seu poder.
Com a segunda Revolução Industrial, as teorias sociais de caráter totalizador
e global dos positivistas e as teorias de Marx dão lugar às teorias
microindustriais de alcance médio, que auxiliariam na transição do capitalismo
liberal para o capitalismo monopolista. Segundo Tragtenberg, o capitalismo
monopolista foi produto de um sistema econômico no qual se estabeleceram
grandes corporações que tinham o controle do mercado e ambicionavam produzir
em larga escala.
No início do século XX as corporações buscavam meios de maximizar
a produtividade pelo uso das máquinas e da intensificação do trabalho e a
conjuntura histórica e econômica daquela época favoreceu a racionalização
da produção. Taylor foi de encontro a essas expectativas ao criar um sistema
de produção no qual havia uma “única maneira correta de se executar uma
tarefa”, determinada pela medição dos tempos e movimentos e regulada pelo
estabelecimento de cotas de produção, que significava uma remuneração proporcional
à quantidade de trabalho realizado.
Em suas análises, Tragtenberg destaca que a implantação do taylorismo
pressupõe a existência de empresas com grande poder econômico e político, a
debilidade sindical dos operários, a ausência de legislação social e o predomí-
nio da oferta sobre a procura no mercado de mão-de-obra. Tragtenberg também
explora a formação quaker de Taylor com intuito de mostrar como a ética
protestante, no sentido weberiano, permeia o taylorismo. Na sua visão, o ethos
racionalizador do taylorismo foi complementado pelas teorias de Fayol que,
inspiradas nas estruturas militares, demarcaram os parâmetros essenciais da
organização burocrática: o formalismo e a hierarquia. Assim, da combinação
entre a racionalização do trabalho na fábrica e nas estruturas administrativas
nasceu a escola clássica.
De acordo com Tragtenberg, partindo desse ideário e práticas, os representantes
da escola clássica viabilizaram a primeira fase do capitalismo
monopolista, mas suas tentativas de obter, por meio da força, a harmonia nas
relações de trabalho, se mostraram bastante limitadas. Uma vez que os métodos
tayloristas em nada contribuíam para reduzir a dissonância cognitiva do
funcionário em relação à exploração de sua força de trabalho, abriu-se espaço para contestações individuais e organizadas ao sistema, que acabaram fortalecendo
o sindicalismo e demandando uma nova forma da administração lidar
com os conflitos entre capital e trabalho. Analisando esse fenômeno, Tragtenberg
demonstra como a escola das relações humanas emerge e redefine a
lógica da eficiência taylorista como lógica de cooperação.
Tragtenberg então recorre à vertente positivista e procura estabelecer
um paralelo entre o pensamento de Elton Mayo e de Émile Durkheim. Na
sua visão, foi partindo das considerações de Durkheim que Mayo concluiu
que os conflitos são desintegradores da sociedade e passou a defender a revalorização
dos grupos informais na organização como forma de combater
a sensação de anomia (desenraizamento) e promover o equilíbrio das rela-
ções. A partir desse exame crítico, Tragtenberg revela que o positivismo é a
base da lógica cooperativa e integradora que permeia a escola das relações
humanas.
Na sua visão, Mayo reequacionou a lógica eficientista da escola clássica
a partir das máximas cooperação, integração e participação. Nisso residiria o
caráter ideológico da escola das relações humanas: ela procura dissimular a
dominação por meio de discursos e práticas participativas, desviando a aten-
ção de seu objetivo central, que é manter a produtividade nas organizações e
reduzir as tensões entre capital e trabalho. Por outro lado, a escola das rela-
ções humanas também herda características tayloristas, pois prossegue escamoteando
os conflitos, uma vez que apenas substitui a contenção direta pela
manipulação, além de manter a separação entre planejamento e execução no
desenvolvimento das tarefas.
No que se refere à abordagem sistêmica, Tragtenberg afirma que os
seus modelos procuram soluções de equilíbrio, além de máxima produtividade,
racionalização e eficiência, ocultando antagonismos sociais e otimizando
o presente em uma ruptura com o processo histórico. Tragtenberg também
não poupa críticas aos processos de automatização e informatização, que idealmente
eliminariam o trabalho simples, transformando o conhecimento em
força produtiva, mas não o fazem, porque há temor de depreciação do capital
em conseqüência do progresso tecnológico.
Na sua visão, a automação não elimina as tarefas parceladas e repetitivas,
pois cria outras e não leva necessariamente à especialização profissional,
pois podem se tornar independentes dos operadores. A informática estaria
então diminuindo o custo de reprodução ampliada do capital e aumentando
a acumulação da mais-valia relativa, pois ela favorece a centralização das decisões
e é um recurso para manter a taxa média de lucro, na medida em que
reduz as despesas gerais e o custo da produção
Em síntese, ao analisar as duas principais escolas administrativas da primeira
metade do século, além da abordagem sistêmica, Tragtenberg vislumbrou
as ideologias que permeariam o nosso presente, que se baseiam no contingencialismo
e nas tecnologias de informação. Em um trabalho no qual revisita o
pensamento de Tragtenberg, Paes de Paula (2002) aprofunda como suas idéias
ainda se aplicam ao atual contexto capitalista e às suas práticas de gestão.
Crítica da co-gestão e defesa da autogestão
É importante salientar que, embora Tragtenberg se dirija explicitamente à escola
das relações humanas e à psicologia social, por vezes ele está se referindo
à escola comportamental, que começou a se constituir durante a década de
1940; é herdeira do ideário da escola de relações humanas e exerceu grande
influência nas empresas brasileiras durante toda a década de 1970. Pela abordagem
behaviorista, expressa nas teorias de autores como Abraham Maslow,
Frederick Herzberg, Douglas McGregor, Rensis Likert e Chester Barnard, essa
escola procurou se posicionar como uma legítima opositora da escola clássica.
No entanto, a tentativa não a isenta de suas dívidas com o psicologismo e com
o funcionalismo. Na verdade, utilizando técnicas como a dinâmica de grupo,
a liderança não-diretiva e o aconselhamento, entre outras, a escola comportamental
prosseguiu legitimando o que Tragtenberg chama de ideologia participacionista.
É com essa argumentação que Tragtenberg radicaliza em seu livro Administração,
poder e ideologia (1980a) as críticas à escola comportamental. Analisando
as empresas brasileiras na década de 1970, Tragtenberg demonstra que,
ao utilizar técnicas participativas, estas apenas estimulam nos funcionários
uma consciência de que são importantes no processo decisório, quando na
verdade apenas endossam decisões que já foram tomadas. Para Tragtenberg,
a escola comportamental representa a negação e a evitação do conflito de
classes na medida em que psicologiza, a partir da abordagem behaviorista, os
problemas do trabalhador, tratando-os como questões individuais e grupais
e não como um reflexo do contexto social. Em outras palavras, ao interpretar
tensões procedentes das relações entre capital e trabalho como problemas
individuais e de personalidade, o psicologismo oculta os conflitos políticos e
impossibilita que os mesmos sejam equacionados como uma questão de partilha
de poder.
Com essa crítica, Tragtenberg (1980a) abre caminho para analisar a falácia
da co-gestão tanto nas empresas quanto no Estado. De acordo com a sua definição, a co-gestão é entendida oficialmente como um equilíbrio de poderes
visando ao bom funcionamento da empresa e à participação nos lucros. Nas
organizações, a co-gestão aparece na figura dos conselhos, das comissões e
dos comitês de empresa e para estudá-la Tragtenberg leva em conta as estruturas,
o poder e a função dos mesmos. Com esses critérios, ele analisa as experiências
alemã e francesa, demonstrando que em ambos os casos é possível
constatar que a co-gestão não abre espaço para contestação dos trabalhadores
e nem altera o poder dos grupos financeiros que dominam as empresas industriais.
Além disso, Tragtenberg verifica que a participação não diminui o poder
da direção, além de ocultar os conflitos, de modo que a co-gestão não passa de
uma pseudoparticipação e configura mais uma “panacéia administrativa”.
Com essa análise, Tragtenberg busca valorizar a autogestão, ou seja,
a organização da produção em bases democráticas e cooperativistas pelos
próprios trabalhadores. É neste contexto que ocorre sua defesa da tradição
luxemburguista e conselhista, representada, entre outros teóricos marxistas
por Pannekoek, que desenvolveu uma teoria de conselhos de trabalhadores na
indústria. Tragtenberg vê nos conselhos autogestionários um papel estratégico
para autonomizar os trabalhadores em relação ao Estado e aos sindicatos e
também defende as iniciativas da sociedade civil como a democracia direta.
De acordo com Silva (2004), entre as experiências destacadas por Tragtenberg
está a comissão de fábrica da Asama em São Paulo, que seria uma
contraposição à comissão da Ford em São Bernardo do Campo. A comissão
da Asama se destacava por não ser tutelada e nem atrelada ao sindicato, ter
membros com mandato revogável, respeitando o princípio de horizontalidade
das relações e funcionando apenas como um órgão consultivo (Tragtenberg,
1981b; Almeida, 1991). A cooperativa de costureiras de Monlevade, em Minas
Gerais (Tragtenberg, 1981c), é outra experiência salientada por ele, pois nessa
experiência a organização da produção era supervisionada em rodízio pelas
associadas e a administração estava nas mãos de um conselho que dispensava
o gerente técnico.
No campo da gestão pública, o destaque fica para a democracia participativa
de Lages, em Santa Catarina (Tragtenberg, 1980b, 1982), baseada no
investimento na agricultura, nas hortas e pomares comunitários, nos mutirões
para habitação, na medicina preventiva, na educação associada ao trabalho,
no incentivo à cultura popular e nas associações de moradores. Tragtenberg
(1981d, 1982) também ressalta a administração popular de Boa Esperança,
no Espírito Santo, onde as comunidades discutiam medicina preventiva, saneamento
básico, implantação de cursos profissionalizantes, produção agrícola
e industrial, infra-estrutura, educação e segurança por meio do Conselho Municipal de Desenvolvimento, que contava com a participação de lideranças
populares.
No entanto, Tragtenberg (1981e) reconhece que essas práticas não
constituem uma alternativa global ao sistema, uma vez que não promovem
mudanças estruturais. Apesar disso, ele acredita que elas mostram que o povo
tem capacidade de fazer e criar dentro das condições mais adversas. Na sua
visão, uma tentativa de ruptura estrutural com o sistema, no contexto da abertura
política que então se processava (década de 1980), poderia gerar uma
repressão desestruturadora das comunidades de base, dos sindicatos e das
associações de bairro que levaram anos para se constituírem. Suscita curiosidade
o que ele diria sobre essas experiências hoje, em um contexto democrá-
tico, considerando que 10 anos mais tarde (Tragtenberg, 1991) explicitaria
sua desilusão com a socialdemocracia brasileira, criticando inclusive o Partido
dos Trabalhadores (PT). Na sua visão, pelo projeto de levar um operário à
presidência, o PT acabaria possibilitando a ascensão social de uma pequena
burguesia ao invés de uma verdadeira mudança social.
4. Conclusão
Neste artigo, descrevemos e avaliamos as contribuições de Tragtenberg para
estudos organizacionais críticos utilizando como referencial seu marxismo
anarquizante. Foi possível analisar como as críticas que Tragtenberg faz à burocracia,
às teorias administrativas e à co-gestão são motivadas por suas tendências
anarquistas e por sua defesa da autogestão tanto nas organizações
empresariais quanto na sociedade civil.
Diante dessas evidências, é pertinente questionar a atualidade das
idéias e proposições de Tragtenberg no mundo em que vivemos. Contrapondo
as mesmas com a realidade na qual estamos imersos é interessante observar
que a sua produção é de grande contemporaneidade, pois em um contexto
de decadência do socialismo real e de crise do neoliberalismo, o anarquismo
emerge como a utopia do nosso tempo. O movimento de resistência à globalização
e ao neoliberalismo vem sendo classificado por alguns autores (Graeber,
2002) como um movimento anarquista, por se basear nas redes horizontais,
nos princípios de descentralização e na democracia não-hierárquica ao invés
de recorrer às estruturas top-down como os estados, os partidos políticos e as
corporações.
Antunes (2005) acredita que estamos testemunhando um retorno à literatura
libertária em suas mais diversas variantes, apontando como exem-plo o livro de Hardt e Negri (2004) O trabalho de Dionísio, mas discorda da
existência de um revival do anarquismo no século XXI. Outros autores são
mais otimistas, como Chomsky (2004), um dos defensores contemporâneos
do anarquismo, simpatizante do luxemburguismo, do conselhismo operário
de Pannekoek e do anarco-sindicalismo de Rudolf Rocker, mas crítico de Marx
na mesma linha sustentada por Bakunin. Na sua visão, as idéias anarquistas
são apropriadas para nossa época, pois se ajustam à organização de uma sociedade
industrial avançada e altamente complexa na medida em que a industrialização
e o avanço tecnológico viabilizam a autogestão em larga escala.
Castells (2005) vai na mesma direção, uma vez que acredita que o anarquismo
se adiantou em seu tempo, pois enquanto o marxismo ortodoxo parece
ter ficado confinado ao século XX, o anarquismo emerge com nova vitalidade
no século XXI, por se mostrar um instrumento de luta alinhado com as atuais
condições. Uma vez que o anarquismo busca conciliar a autonomia pessoal
e local com a complexidade da organização produtiva e da vida cotidiana
no contexto de um mundo industrializado e interdependente, a tecnologia
se tornou a sua principal aliada, pois possibilita que organizações autônomas
debatam, votem e administrem em uma rede interativa de comunicação.
O anarquismo também é atual para Newman (2003), que acredita que
a teoria pós-marxista e a política radical de autores como Ernesto Laclau e
Chantal Mouffe precisa reconhecer a contribuição do anarquismo clássico à
conceituação de um campo político totalmente autônomo, uma vez que vem
se mantendo silenciosa a respeito dessa tradição revolucionária. Além disso,
para o autor, o anarquismo se beneficiaria com a incorporação de perspectivas
teóricas contemporâneas, como a análise de discurso, a psicanálise e o pós-estruturalismo.
Aliás, o pós-estruturalismo é visto por Newman como uma
orientação fundamentalmente anarquista, na medida em que tem como projeto
desmascarar a autoridade das instituições e contestar práticas de poder
dominantes e excludentes. Newman também vê uma vantagem em aproximar
o pós-estruturalismo do anarquismo fundando um pós-anarquismo: atribuir
ao primeiro um conteúdo ético-político adequado ao agenciamento individual
e à resistência no contexto de relações de poder onipresentes.
Finalizando, vale a pena frisar que, considerando a atualidade do anarquismo,
a perspectiva de Maurício Tragtenberg pode ser valiosa para os estudos
organizacionais críticos, pois abre novos caminhos para a exploração teó-
rica, como os autores anarquistas e os marxistas heterodoxos. Por outro lado,
as cooperativas, as organizações não-governamentais, os movimentos sociais,
os conselhos, bem como outras formas de organização de inspiração autogestionária,
se tornam campos férteis para pesquisa, pois envolvem modelos de organização complexos e sofisticados, pois se voltam para a auto-organização
e participação. Nesse contexto, é importante lembrar o registro a partir do
qual os pesquisadores interessados nessa abordagem precisam trabalhar: o
anarquismo é uma negação da autoridade, mas não da organização, que deve
se dar de uma maneira autônoma a partir das bases, evitando as armadilhas
da burocratização.
Referências bibliográficas
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da Asama. 1991. Dissertação (Mestrado em Administração) — Faculdade de Administração,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
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Ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005.
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Modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. v. 1. São Paulo:
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BRUNO, Lúcia B. A heterodoxia do pensamento de Maurício Tragtenberg. In: SILVA, D.
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CASTELLS, M. Neoanarquismo. La Vanguardia, 21 maio 2005. Disponível em:
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em: 29 set. 2005.
CHOMSKY, N. Notas sobre o anarquismo. São Paulo: Imaginário, 2004.
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