PREFÁCIO: “O CAPITAL
DA NOTÍCIA”, DE CIRO MARCONDES FILHO
MAURÍCIO
TRAGTENBERG
É para mim uma honra prefaciar esta obra, após tê-la examinado,
quando seu autor a apresentou como tese de livre-docência na Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo.
Não tenho dúvida de que o livro de Ciro
Marcondes Filho ora editado pela Atica dividirá a sociologia do jornalismo em nossa
terra em dois momentos: antes e depois de O capital da notícia.
A bem da verdade, o livro não constitui
ponto de partida, mas ponto de chegada do Autor, que já oferecera ao público interessado
na sociologia do jornalismo títulos como: O discurso sufocado (Ed, Loyola),
A linguagem da sedução (Ed. Com.-Arte) e Política e imaginário (Ed.
Summus), além de uma coletânea do sociólogo do jornalismo Dieter Prokop,
na Coleção Grandes Cientistas Sociais da Editora Atica.
Num livro que aborda tantos aspectos relevantes para o jornalismo
atual - a transformação da atividade jornalística em grande empresa capitalista,
a situação do jornalismo sob o Estado liberal e em alguns casos concretos, como
sob o fascismo, sob Alvarado, no Peru, e durante a Revolução dos Cravos, em Portugal
– fica difícil destacar um ponto em detrimento de outros.
No entanto, chama a atenção a análise
feita pelo Autor das características do Estado moderno na época atual, que se convencionou
definir como época do “capitalismo tardio” ou do “capitalismo monopolista”.
Para Ciro Marcondes Filho, o Estado na
época atual é o grande organizador da hegemonia, no sentido gramsciano do termo,
controlando, através de licenças, os instrumentos de reprodução simbólica. Desativando
a política e eliminando a· opinião pública com capacidade de opor-se, ele, através
da comunicação de massa, reforça o controle social. Ou seja, sob uma fachada democrática,
o Estado no século XX realiza a “democracia totalitária”enunciada por Tocqueville
no século passado.
Original e penetrante é também a análise.
da questão da transformação de fatos em notícias e destas em mercadoria. O primeiro
momento assinalado é aquele em que a ideologia penetra na comunicação; o segundo
momento é aquele em que a notícia como
mercadoria cultiva a passividade e despolitização
social.
O leitor de jornal é sujeito a estados
de temor (a imprensa nazista, com a tese do judeu como “inimigo privilegiado”, o
stalinismo e a criação do “inimigo do povo”), alternados com outros de tranquilidade,
dialética produzida pelo noticiário denotativo, em que cenas de tragédias são intercaladas
com cenas apresentando celebridades artísticas ou um refrigerador “que só falta
falar”.
Ao leitor o jornal oferece um conjunto
desconexo de fatos que desorganiza qualquer estrutura racional presente no real.
O que há de organizado no jornalismo é que tais fatos são submetidos a normas mercadológicas
através da generalização, padronização, simplificação e negação da subjetividade.
Para o Autor a notícia está sujeita à
lei do temor/tranquilização, na qual os fatos são apresentados sem contradições.
Saques, greves, guerras são alinhados com técnicas de ganhar em loteria, corridas
de cavalos ou com a exibição de vamps do estrelato televisivo.
Mas é justamente essa miscelânea que
permite ao jornal sobreviver como empresa, pois o espaço da matéria redacional é
medido não pelo volume dos acontecimentos, mas pelo volume dos negócios, pelos anúncios.
A parte redacional atua como apoio do espaço publicitário.
Logicamente, a transformação do fato
em notícia significa mutilá-lo, tendo em vista algo mais rentável, e, por isso,
ele é “pasteurizado”, embelezado para atrair a atenção do comprador.
Para que a demanda por notícias se mantenha,
as necessidades ou os interesses do leitor não devem ser totalmente satisfeitos
pelo veículo (jornal, TV), pois o jornalismo não vende somente fatos transformados
em notícias, mas também a aparência, a força de impacto da notícia.
Abolido o capitalismo privado – adverte
o Autor àqueles que concluem apressadamente –, o jornalismo como manipulação não
desaparece para dar lugar a um jornalismo objetivo e imparcial.
A manipulação da notícia atua como censura,
através de uma visão fragmentada e personalizada dos processos sociais, da manipulação
técnica e linguística e da sonegação de informações “indesejáveis”.
Por tudo isso, este livro é leitura obrigatória
para aqueles que cultivam a “consciência crítica”, nos dias que correm.