domingo, 23 de novembro de 2025

PREFÁCIO: “O CAPITAL DA NOTÍCIA”, DE CIRO MARCONDES FILHO

 


PREFÁCIO: “O CAPITAL DA NOTÍCIA”, DE CIRO MARCONDES FILHO

 

MAURÍCIO TRAGTENBERG

 

 

É para mim uma honra prefaciar esta obra, após tê-la examinado, quando seu autor a apresentou como tese de livre-docência na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

 

Não tenho dúvida de que o livro de Ciro Marcondes Filho ora editado pela Atica dividirá a sociologia do jornalismo em nossa terra em dois momentos: antes e depois de O capital da notícia.

 

A bem da verdade, o livro não constitui ponto de partida, mas ponto de chegada do Autor, que já oferecera ao público interessado na sociologia do jornalismo títulos como: O discurso sufocado (Ed, Loyola), A linguagem da sedução (Ed. Com.-Arte) e Política e imaginário (Ed. Summus), além de uma coletânea do sociólogo do jornalismo Dieter Prokop, na Coleção Grandes Cientistas Sociais da Editora Atica.

 

Num livro que aborda tantos aspectos relevantes para o jornalismo atual - a transformação da atividade jornalística em grande empresa capitalista, a situação do jornalismo sob o Estado liberal e em alguns casos concretos, como sob o fascismo, sob Alvarado, no Peru, e durante a Revolução dos Cravos, em Portugal – fica difícil destacar um ponto em detrimento de outros.

 

No entanto, chama a atenção a análise feita pelo Autor das características do Estado moderno na época atual, que se convencionou definir como época do “capitalismo tardio” ou do “capitalismo monopolista”.

 

Para Ciro Marcondes Filho, o Estado na época atual é o grande organizador da hegemonia, no sentido gramsciano do termo, controlando, através de licenças, os instrumentos de reprodução simbólica. Desativando a política e eliminando a· opinião pública com capacidade de opor-se, ele, através da comunicação de massa, reforça o controle social. Ou seja, sob uma fachada democrática, o Estado no século XX realiza a “democracia totalitária”enunciada por Tocqueville no século passado.

 

Original e penetrante é também a análise. da questão da transformação de fatos em notícias e destas em mercadoria. O primeiro momento assinalado é aquele em que a ideologia penetra na comunicação; o segundo momento é aquele em que a notícia como

mercadoria cultiva a passividade e despolitização social.

 

O leitor de jornal é sujeito a estados de temor (a imprensa nazista, com a tese do judeu como “inimigo privilegiado”, o stalinismo e a criação do “inimigo do povo”), alternados com outros de tranquilidade, dialética produzida pelo noticiário denotativo, em que cenas de tragédias são intercaladas com cenas apresentando celebridades artísticas ou um refrigerador “que só falta falar”.

 

Ao leitor o jornal oferece um conjunto desconexo de fatos que desorganiza qualquer estrutura racional presente no real. O que há de organizado no jornalismo é que tais fatos são submetidos a normas mercadológicas através da generalização, padronização, simplificação e negação da subjetividade.

 

Para o Autor a notícia está sujeita à lei do temor/tranquilização, na qual os fatos são apresentados sem contradições. Saques, greves, guerras são alinhados com técnicas de ganhar em loteria, corridas de cavalos ou com a exibição de vamps do estrelato televisivo.

Mas é justamente essa miscelânea que permite ao jornal sobreviver como empresa, pois o espaço da matéria redacional é medido não pelo volume dos acontecimentos, mas pelo volume dos negócios, pelos anúncios. A parte redacional atua como apoio do espaço publicitário.

 

Logicamente, a transformação do fato em notícia significa mutilá-lo, tendo em vista algo mais rentável, e, por isso, ele é “pasteurizado”, embelezado para atrair a atenção do comprador.

 

Para que a demanda por notícias se mantenha, as necessidades ou os interesses do leitor não devem ser totalmente satisfeitos pelo veículo (jornal, TV), pois o jornalismo não vende somente fatos transformados em notícias, mas também a aparência, a força de impacto da notícia.

 

Abolido o capitalismo privado – adverte o Autor àqueles que concluem apressadamente –, o jornalismo como manipulação não desaparece para dar lugar a um jornalismo objetivo e imparcial.

 

A manipulação da notícia atua como censura, através de uma visão fragmentada e personalizada dos processos sociais, da manipulação técnica e linguística e da sonegação de informações “indesejáveis”.

 

Por tudo isso, este livro é leitura obrigatória para aqueles que cultivam a “consciência crítica”, nos dias que correm.

 

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