BAR-ZOHAR, M. Michel. Ben Gurion: o profeta armado. São Paulo: Editora Senzala, 1968 (386 p.)
APRESENTAÇÃO.
MAURÍCIO TRAGTENBERG
Dizia Napoleão ser a política, a forma moderna de tragédia. Por outro lado, a pureza dos princípios não só tolera como requer as violências e Israel não é a exceção. O livro tem como única finalidade recompor a imagem de Ben Gurion após o “caso Lavon”.
Ben Gurion, o criador do Exército Nacional, o pai do Estado de Israel, o vitorioso estrategista da guerra de Independência, é, como o fôra Trotski também, atualmente um profeta desarmado, um carisma no ostracismo, sofrendo uma “desgraça” inerente à condição da ação política. Aceitando a chance da glória, o político aceita o risco da infâmia, um e outro “imerecidos”. A ação política é “em si” impura na medida em que é uma ação sobre o outro, dirigida a grupos. Neste sentido nenhum político é inocente. Governar é prever; e existe o imprevisto: eis a tragédia.
Neste sentido, descortina-se o “caso Lavon”. Este fundador do movimento pioneiro GORDONIA, veio a Israel na segunda Aliá (imigração) da década de vinte. Membro do movimento Kubatziano “coletivista agrário” exercei altos cargos no Hapoel Hatzair (o jovem trabalhador) que serviu de base ao Mapai foi cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e autor do livro “Refl exões sobre o socialismo”. (partido trabalhista de Israel) ocupando o cargo de Ministro da defesa e Secretaria Geral da Histadrut (central trabalhadora). Atualmente com 70 anos é um símbolo de seriedade, honradez, respeito pela juventude universitária. Parecem-nos inadequados à sua real personalidade, os conceitos emitidos por Bar-Zohar nesta obra.
Lavon é um político, portanto não é “inocente”. A maldição da política consiste em traduzir os valores em fatos. Neste campo toda vontade vale como previsão e todo prognóstico é cumplicidade. Neste sentido, Lavon fora absolvido pela Comissão Especial de Inquérito formada a mando de Eskhol a respeito da “Operação Egito”, operação de espionagem que terminara num fiasco com a detenção dos implicados por Nasser.
Lavon vivera dramaticamente o conflito entre a moral da responsabilidade que julga conforme os efeitos dos atos e a moral da consciência, que coloca a necessidade da obediência incondicional dos valores quaisquer que sejam suas consequências. Sem dúvida, ele ordenara o incremento das ações de represálias aos Fedayn (bandos árabes armados), ocasionando inúmeras mortes. A morte na ação política ou militar não é um mundo que termina, é um comportamento que se extingue; daí ser impossível governar com o “Sermão da Montanha” ou com o “imperativo categórico” de Kant. No entanto, perdem qualquer fôro de verossimilhança as palavras que Bar-Zohar coloca na boca do humanista Lavon, ao referir-se às ações antiárabes. “Pode destruir tudo, coisa e pessoas; os árabes não usam móveis luxuosos”.
Sentimos que aqui fala mais o adepto do carisma de Ben Gurion do que o repórter imparcial dos fatos. O autor apresenta um histórico da formação do Estado através de uma Personalidade, no sentido de um Plutarco moderno, muito próximo dos “Panegíricos Latinos’. Ben Gurion, o organizador sindical, o homem de Biltmore, o organizador do Exército, do Estado judeu é, sem dúvida, uma figura épica. É um carisma na época atômica: essa evolução é que o livro descreve.
Apenas devemos notar que certos aspectos que o autor atribui a Ben Gurion são o “resultado” de uma atitude conjunta do governo e do Mapai, como o estabelecimento de relações com a Alemanha Federal, o estreitamento de relações com a França, que forma objetos de uma decisão global do governo.
Assim, perpassa pelo livro da história de um povo vinculado ao surgimento e declínio de um personagem, Ben Gurion, carisma cheio de boas intenções, mas, por sua ação, profundamente munido de messianismo profético que o afastava de qualquer diálogo com os homens de sua geração. A sua maior penetração no meio dos jovens deve-se, possivelmente, ao “Velho” encarnar o Pai que ansiosamente a juventude procura numa fase de seu desenvolvimento.
Sem dúvida que a absolvição de Lavon e ostracismo de Ben Gurion supõem a contingência na História, sem a qual não há culpados, em política, e a nacionalidade na História, sem a qual há loucos. Não há o “outro” como existência pura. Uma consciência pura num estado de inocência original inexiste. São os pactos com o demônio: o de reparações coma a Alemanha, a aliança com a França e a Inglaterra, por ocasião de Suez, como reação ao fornecimento maciço de armas ao Egito pela Checoslováquia. Tudo isto mostra que em política inexistem belas almas, perde- se o álibi das boas intenções. Não há escolha entre pureza e violência. A pureza das ideias sionistas socialistas coexiste com a campanha do Sinai, com as armas francesas. Há apenas a escolha entre as diversas formas de violência. Em suma, quem tem a razão histórica (armada) pode dispensar a razão teórica (ideológica).
Num mundo onde só há poder de alguns, resignação de outros, o profeta amado, descrito por Bar-Zohar, constitui realmente a versão hebraica de Maquiavel e o “Príncipe” é substituído pelo “Velho Testamento”.
O Profeta Armado se constitui numa súmula da formação do Estado de Israel, e sua luta pela coexistência comum com o árabe, suas tentativas fracassadas. Surgindo Israel com a complacência do Ocidente, porém, sem contar com seu apoio total, o “pacto periférico” idealizado por Ben Gurion com a Etiópia e a Pérsia constitui-se numa resposta diplomática, no plano árabe, seu “engajamento” com a França, sua resposta à política calculista do “State Department” e à rejeição soviética.