INTRODUÇÃO
AO PENSAMENTO DE MAX WEBER*
Maurício
Tragtenberg
Pondo-se de lado alguns trabalhos precursores, como os de
Maquiavel (1469-1527) e Montesquieu (1689-1755), o estudo científico dos fatos
humanos somente começou a se constituir em meados do século XIX. Nessa época,
assistia-se ao triunfo dos métodos das ciências naturais, concretizadas nas
radicais transformações da vida material do homem, operadas pela Revolução
Industrial. Diante dessa comprovação inequívoca da fecundidade do caminho
metodológico apontado por Galileu (1564-1642) e outros, alguns pensadores que
procuravam conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a abordá-los
segundo as coordenadas das ciências naturais. Outros, ao contrário, afirmando a
peculiaridade do fato humano e a consequente necessidade de uma metodologia
própria. Essa metodologia deveria levar em consideração o fato de que o
conhecimento dos fenômenos naturais é um conhecimento de algo externo ao próprio
homem, enquanto nas ciências sociais o que se procura conhecer é a própria
experiência humana. De acordo com a distinção entre experiência externa e
experiência interna, poder-se-ia distinguir uma série de contrastes
metodológicos entre os dois grupos de ciências. As ciências exatas partiriam da
observação sensível e seriam experimentais, procurando obter dados mensuráveis
e regularidades estatísticas que conduzissem à formulação de leis de caráter
matemático.
As ciências humanas, ao contrário, dizendo respeito à
própria experiência humana, seriam introspectivas, utilizando a intuição direta
dos fatos, e procurariam atingir não generalidades de caráter matemático, mas
descrições qualitativas de tipos e formas fundamentais da vida do espírito.
Os positivistas (como eram chamados os teóricos da
identidade fundamental entre as ciências exatas e as ciências humanas) tinham
suas origens sobretudo na tradição empirista inglesa que remonta a Francis
Bacon (1561-1626) e encontrou expressão em David Hume (1711-1776), nos
utilitaristas do século XIX e outros. Nessa linha metodológica de abordagem dos
fatos humanos se colocariam Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim
(1858-1917), este considerado por muitos o fundador da sociologia como
disciplina científica. Os antipositivistas, adeptos da distinção entre ciências
humanas e ciências naturais, foram sobretudo os alemães, vinculados ao
idealismo dos filósofos da época do Romantismo, principalmente Hegel
(1770-1831) e Schleiermacher (1768-1834). Os principais representantes dessa
orientação foram os neokantianos Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm
Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936). Dilthey estabeleceu uma
distinção que fez fortuna: entre explicação (erklären) e compreensão
(verstehen). O modo explicativo seria característico das ciências naturais, que
procuram o relacionamento causal entre os fenômenos. A compreensão seria o modo
típico de proceder das ciências humanas, que não estudam fatos que possam ser
explicados propriamente, mas visam aos processos permanentemente vivos da
experiência humana e procuram extrair deles seu sentido (Sinn). Os sentidos (ou
significados) são dados, segundo Dilthey, na própria experiência do
investigador, e poderiam ser empaticamente apreendidos na experiência dos outros.
Dilthey (como Windelband e Rickert), contudo, foi sobretudo
filósofo e historiador e não, propriamente, cientista social, no sentido que a
expressão ganharia no século XX. Outros levaram o método da compreensão ao
estudo de fatos humanos particulares, constituindo diversas disciplinas
compreensivas. Na sociologia, a tarefa ficaria reservada a Max Weber.
Uma educação humanista apurada
Max Weber nasceu e teve sua formação intelectual no período
em que as primeiras disputas sobre a metodologia das ciências sociais começavam
a surgir na Europa, sobretudo em seu país, a Alemanha. Filho de uma família da
alta classe média, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente
estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde cedo orientou-o no sentido
das humanidades. Weber recebeu excelente educação secundária em línguas,
história e literatura clássica. Em 1882, começou os estudos superiores em
Heidelberg, continuando-os em Göttingen e Berlim, em cujas universidades
dedicou-se simultaneamente à economia, à história, à filosofia e ao direito.
Concluído o curso, trabalhou na Universidade de Berlim, na qualidade de
livre-docente, ao mesmo tempo que servia como assessor do governo. Em 1893,
casou-se e, no ano seguinte, tornou-se professor de economia na Universidade de
Freiburg, da qual se transferiu para a de Heidelberg, em 1896. Dois anos
depois, sofreu sérias perturbações nervosas, que o levaram a deixar os
trabalhos docentes, só voltando à atividade em 1903, na qualidade de coeditor
do Arquivo de Ciências Sociais
(Archiv für Sozialwissenschaft), publicação extremamente importante no
desenvolvimento dos estudos sociológicos na Alemanha. A partir dessa época,
Weber somente deu aulas particulares, salvo em algumas ocasiões, em que proferiu
conferências nas universidades de Viena e Munique, nos anos que precederam sua
morte, em 1920.
Compreensão e explicação
Dentro das coordenadas metodológicas que se opunham à
assimilação das ciências sociais aos quadros teóricos das ciências naturais,
Weber concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, “a captação da
relação de sentido” da ação humana. Em outras palavras, conhecer um fenômeno
social seria extrair o conteúdo simbólico da ação ou ações que o configuram.
Por ação, Weber entende “aquela cujo sentido pensado pelo sujeito ou sujeitos é
referido ao comportamento dos outros, orientando-se por ele o seu
comportamento”. Tal colocação do problema de como se abordar o fato significa
que não é possível propriamente explicá-lo como resultado de um relacionamento
de causas e efeitos (procedimento das ciências naturais), mas compreendê-lo
como fato carregado de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos
e somente em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude.
O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em
entender o sentido que as ações de um indivíduo contêm e não apenas o aspecto
exterior dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço
de papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social.
Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como
forma de saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante
de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O
fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de
significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atribuem ao
pedaço de papel a função de servir como meio de troca ou pagamento; além disso,
essa função é reconhecida por uma comunidade maior de pessoas.
Segundo Weber, a captação desses sentidos contidos nas ações
humanas não poderia ser realizada por meio, exclusivamente, dos procedimentos
metodológicos das ciências naturais, embora a rigorosa observação dos fatos
(como nas ciências naturais) seja essencial para o cientista social. Contudo,
Weber não pretende cavar um abismo entre os dois grupos de ciências. Segundo
ele, a consideração de que os fenômenos obedecem a uma regularidade causal
envolve referência a um mesmo esquema lógico de prova, tanto nas ciências
naturais quanto nas humanas. Entretanto, se a lógica da explicação causal é
idêntica, o mesmo não se poderia dizer dos tipos de leis gerais a serem
formulados para cada um dos dois grupos de disciplinas. As leis sociais, para
Weber, estabelecem relações causais em termos de regras de probabilidades,
segundo as quais a determinados processos devem seguir-se, ou ocorrer
simultaneamente, outros. Essas leis referem-se a construções de “comportamento
com sentido” e servem para explicar processos particulares. Para que isso seja
possível, Weber defende a utilização dos chamados “tipos ideais”, que
representam o primeiro nível de generalização de conceitos abstratos e,
correspondendo às exigências lógicas da prova, estão intimamente ligados à
realidade concreta particular.
O legal e o típico
O conceito de tipo ideal corresponde, no pensamento
weberiano, a um processo de conceituação que abstrai de fenômenos concretos o
que existe de particular, constituindo assim um conceito individualizante ou,
nas palavras do próprio Weber, um “conceito histórico-concreto”. A ênfase na
caracterização sistemática dos padrões individuais concretos (característica
das ciências humanas) opõe a conceituação típico-ideal à conceituação
generalizadora, tal como esta é conhecida nas ciências naturais.
A conceituação generalizadora, como revela a própria
expressão, retira do fenômeno concreto aquilo que ele tem de geral, isto é, as
uniformidades e regularidades observadas em diferentes fenômenos constitutivos
de uma mesma classe. A relação entre o conceito genérico e o fenômeno concreto
é de natureza tal que permite classificar cada fenômeno particular de acordo
com os traços gerais apresentados pelo mesmo, considerando acidental tudo o que
não se enquadre dentro da generalidade. Além disso, a conceituação
generalizadora considera o fenômeno particular um caso cujas características
gerais podem ser deduzidas de uma lei.
A conceituação típico-ideal chega a resultados diferentes da
conceituação generalizadora. O tipo ideal, segundo Weber, expõe como se
desenvolveria uma forma particular de ação social se o fizesse racionalmente em
direção a um fim e se fosse orientada de forma a atingir um e somente um fim.
Assim, o tipo ideal não descreveria um curso concreto de ação, mas um
desenvolvimento normativamente ideal, isto é, um curso de ação “objetivamente
possível”. O tipo ideal é um conceito vazio de conteúdo real: ele depura as
propriedades dos fenômenos reais desencarnando-os pela análise, para depois
reconstruí-los. Quando se trata de tipos complexos (formados por várias
propriedades), essa reconstrução assume a forma de síntese, que não recupera os
fenômenos em sua real concreção, mas que os idealiza em uma articulação
significativa de abstrações. Desse modo, se constitui uma “pauta de
contrastação”, que permite situar os fenômenos reais em sua relatividade. Por
conseguinte, o tipo ideal não constitui nem uma hipótese nem uma proposição e,
assim, não pode ser falso nem verdadeiro, mas válido ou não-válido, de acordo
com sua utilidade para a compreensão significativa dos acontecimentos estudados
pelo investigador.
No que se refere à aplicação do tipo ideal no tratamento da
realidade, ela se dá de dois modos. O primeiro é um processo de contrastação
conceitual que permite simplesmente apreender os fatos segundo sua maior ou
menor aproximação ao tipo ideal. O segundo consiste na formulação de hipóteses
explicativas. Por exemplo: para a explicação de um pânico na bolsa de valores,
seria possível, em primeiro lugar, supor como se desenvolveria o fenômeno na
ausência de quaisquer sentimentos irracionais; somente depois se poderia
introduzir tais sentimentos como fatores de perturbação. Da mesma forma se
poderia proceder para a explicação de uma ação militar ou política. Primeiro se
fixaria, hipoteticamente, como se teria desenvolvido a ação se todas as
intenções dos participantes fossem conhecidas e se a escolha dos meios por
parte dos mesmos tivesse sido orientada de maneira rigorosamente racional em
relação a certo fim. Somente assim se poderia atribuir os desvios aos fatores
irracionais.
Nos exemplos acima é patente a dicotomia estabelecida por
Weber entre o racional e o irracional, ambos conceitos fundamentais de sua
metodologia. Para Weber, uma ação é racional quando cumpre duas condições. Em
primeiro lugar, uma ação é racional na medida em que é orientada para um
objetivo claramente formulado, ou para um conjunto de valores, também
claramente formulados e logicamente consistentes. Em segundo lugar, uma ação é
racional quando os meios escolhidos para se atingir o objetivo são os mais
adequados.
Uma vez de posse desses instrumentos analíticos, formulados
para a explicação da realidade social concreta ou, mais exatamente, de uma porção
dessa realidade, Weber elabora um sistema compreensivo de conceitos,
estabelecendo uma terminologia precisa como tarefa preliminar para a análise
das inter-relações entre os fenômenos sociais. De acordo com o vocabulário
weberiano, são quatro os tipos de ação que cumpre distinguir claramente: ação
racional em relação a fins, ação racional em relação a valores, ação afetiva e
ação tradicional. Esta última, baseada no hábito, está na fronteira do que pode
ser considerado ação e faz Weber chamar a atenção para o problema de fluidez
dos limites, isto é, para a virtual impossibilidade de se encontrarem “ações
puras”. Em outros termos, segundo Weber, muito raramente a ação social
orienta-se exclusivamente conforme um ou outro dos quatro tipos. Do mesmo modo,
essas formas de orientação não podem ser consideradas exaustivas. Seriam tipos
puramente conceituais, construídos para fins de análise sociológica, jamais
encontrando-se na realidade em toda a sua pureza; na maior parte dos casos, os
quatro tipos de ação encontram-se misturados. Somente os resultados que com
eles se obtenham na análise da realidade social podem dar a medida de sua
conveniência. Para qualquer um desses tipos tanto seria possível encontrar
fenômenos sociais que poderiam ser incluídos neles, quanto se poderia também
deparar com fatos limítrofes entre um e outro tipo. Entretanto, observa Weber,
essa fluidez só pode ser claramente percebida quando os próprios conceitos
tipológicos não são fluidos e estabelecem fronteiras rígidas entre um e outro.
Um conceito bem definido estabelece nitidamente propriedades cuja presença nos
fenômenos sociais permite diferenciar um fenômeno de outro; estes, contudo,
raramente podem ser classificados de forma rígida.
O sistema de tipos ideais
Na primeira parte de Economia
e Sociedade, Max Weber expõe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os
de lei, democracia, capitalismo, feudalismo, sociedade, burocracia,
patrimonialismo, sultanismo. Todos esses tipos ideais são apresentados pelo
autor como conceitos definidos conforme critérios pessoais, isto é, trata-se de
conceituações do que ele entende pelo termo empregado, de forma a que o leitor
perceba claramente do que ele está falando. O importante nessa tipologia reside
no meticuloso cuidado com que Weber articula suas definições e na maneira
sistemática com que esses conceitos são relacionados uns aos outros. A partir
dos conceitos mais gerais do comportamento social e das relações sociais, Weber
formula novos conceitos mais específicos, pormenorizando cada vez mais as
características concretas.
Sua abordagem em termos de tipos ideais coloca-se em
oposição, por um lado, à explicação estrutural dos fenômenos, e, por outro, à
perspectiva que vê os fenômenos como entidades qualitativamente diferentes.
Para Weber, as singularidades históricas resultam de combinações específicas de
fatores gerais que, se isolados, são quantificáveis, de tal modo que os mesmos
elementos podem ser vistos numa série de outras combinações singulares. Tudo
aquilo que se afirma de uma ação concreta, seus graus de adequação de sentido,
sua explicação compreensiva e causal, seriam hipóteses suscetíveis de
verificação. Para Weber, a interpretação causal correta de uma ação concreta
significa que “o desenvolvimento externo e o motivo da ação foram conhecidos de
modo certo e, ao mesmo tempo, compreendidos com sentido em sua relação”. Por
outro lado, a interpretação causal correta de uma ação típica significa que o
acontecimento considerado típico se oferece com adequação de sentido e pode ser
comprovado como causalmente adequado, pelo menos em algum grau.
O capitalismo é protestante?
As soluções encontradas por Weber para os intrincados
problemas metodológicos que ocuparam a atenção dos cientistas sociais do começo
do século XX permitiram-lhe lançar novas luzes sobre vários problemas sociais e
históricos, e fazer contribuições extremamente importantes para as ciências
sociais. Particularmente relevantes nesse sentido foram seus estudos sobre a
sociologia da religião, mais exatamente suas interpretações sobre as relações
entre as ideias e atitudes religiosas, por um lado, e as atividades e
organização econômica correspondentes, por outro.
Esses estudos de Weber, embora incompletos, foram publicados
nos três volumes de sua Sociologia da
Religião. A linha mestra dessa obra é constituída pelo exame dos aspectos
mais importantes da ordem social e econômica do mundo ocidental, nas várias
etapas de seu desenvolvimento histórico. Esse problema já se tinha colocado
para outros pensadores anteriores a Weber, dentre os quais Karl Marx
(1818-1883), cuja obra, além de seu caráter teórico, constituía elemento
fundamental para a luta econômica e política dos partidos operários, por ele
mesmo criados. Por essas razões, a pergunta que os sociólogos alemães se faziam
era se o materialismo histórico formulado por Marx era ou não o verdadeiro, ao
transformar o fator econômico no elemento determinante de todas as estruturas
sociais e culturais, inclusive a religião. Inúmeros trabalhos foram escritos
para resolver o problema, substituindo-se o fator econômico como dominante por
outros fatores, tais como raça, clima, topografia, ideias filosóficas, poder
político. Alguns autores, como Whilhelm Dilthey, Ernst Troeltsch (1865-1923) e
Werner Sombart (1863-1941), já se tinham orientado no sentido de ressaltar a
influência das ideias e das convicções éticas como fatores determinantes, e
chegaram à conclusão de que o moderno capitalismo não poderia ter surgido sem
uma mudança espiritual básica, como aquela que ocorreu nos fins da Idade Média.
Contudo, somente com os trabalhos de Weber foi possível elaborar uma verdadeira
teoria geral capaz de confrontar-se com a de Marx.
A primeira ideia que ocorreu a Weber na elaboração dessa
teoria foi a de que, para conhecer corretamente a causa ou causas do surgimento
do capitalismo, era necessário fazer um estudo comparativo entre as várias
sociedades do mundo ocidental (único lugar em que o capitalismo, como um tipo
ideal, tinha surgido) e as outras civilizações, principalmente as do Oriente,
onde nada de semelhante ao capitalismo ocidental tinha aparecido. Depois de
exaustivas análises nesse sentido, Weber foi conduzido à tese de que a
explicação para o fato deveria ser encontrada na íntima vinculação do
capitalismo com o protestantismo: “Qualquer observação da estatística
ocupacional de um país de composição religiosa mista traz à luz, com notável frequência,
um fenômeno que já tem provocado repetidas discussões na imprensa e literatura
católicas e em congressos católicos na Alemanha: o fato de os líderes do mundo
dos negócios e proprietários do capital, assim como os níveis mais altos de
mão-de-obra qualificada, principalmente o pessoal técnico e comercialmente
especializado das modernas empresas, serem preponderantemente protestantes”.
A partir dessa afirmação, Weber coloca uma série de
hipóteses referentes a fatores que poderiam explicar o fato. Analisando
detidamente esses fatores, Weber elimina-os, um a um, mediante exemplos
históricos, e chega à conclusão final de que os protestantes, tanto como classe
dirigente, quanto como classe dirigida, seja como maioria, seja como minoria,
sempre teriam demonstrado tendência específica para o racionalismo econômico. A
razão desse fato deveria, portanto, ser buscada no caráter intrínseco e
permanente de suas crenças religiosas e não apenas em suas temporárias
situações externas na história e na política.
Uma vez indicado o papel que as crenças religiosas teriam
exercido na gênese do espírito capitalista, Weber propõe-se a investigar quais
os elementos dessas crenças que atuaram no sentido indicado e procura definir o
que entende por “espírito do capitalismo”. Este é entendido por Weber como
constituído fundamentalmente por uma ética peculiar, que pode ser exemplificada
muito nitidamente por trechos de discursos de Benjamin Franklin (1706-1790), um
dos líderes da independência dos Estados Unidos. Benjamin Franklin,
representante típico da mentalidade dos colonos americanos e do espírito
pequeno-burguês, afirma em seus discursos que “ganhar dinheiro dentro da ordem
econômica moderna é, enquanto isso for feito legalmente, o resultado e a
expressão da virtude e da eficiência de uma vocação”. Segundo a interpretação
dada por Weber a esse texto, Benjamin Franklin expressa um utilitarismo, mas um
utilitarismo com forte conteúdo ético, na medida em que o aumento de capital é
considerado um fim em si mesmo e, sobretudo, um dever do indivíduo. O aspecto
mais interessante desse utilitarismo residiria no fato de que a ética de
obtenção de mais e mais dinheiro é combinada com o estrito afastamento de todo
gozo espontâneo da vida.
A questão seguinte colocada por Weber diz respeito aos
fatores que teriam levado a transformar-se em vocação uma atividade que,
anteriormente ao advento do capitalismo, era, na melhor das hipóteses, apenas
tolerada. O conceito de vocação como valorização do cumprimento do dever dentro
das profissões seculares Weber encontra expresso nos escritos de Martinho
Lutero (1483-1546), a partir do qual esse conceito se tornou o dogma central de
todos os ramos do protestantismo. Em Lutero, contudo, o conceito de vocação
teria permanecido em sua forma tradicional, isto é, algo aceito como ordem
divina à qual cada indivíduo deveria adaptar-se. Nesse caso, o resultado ético,
segundo Weber, é inteiramente negativo, levando à submissão. O luteranismo,
portanto, não poderia ter sido a razão explicativa do espírito do capitalismo.
Weber volta-se então para outras formas de protestantismo
diversas do luteranismo, em especial para o calvinismo e outras seitas, cujo
elemento básico era o profundo isolamento espiritual do indivíduo em relação a
seu Deus, o que, na prática, significava a racionalização do mundo e a
eliminação do pensamento mágico como meio de salvação. Segundo o calvinismo,
somente uma vida guiada pela reflexão contínua poderia obter vitória sobre o
estado natural, e foi essa racionalização que deu à fé reformada uma tendência
ascética.
Com o objetivo de relacionar as ideias religiosas
fundamentais do protestantismo com as máximas da vida econômica capitalista,
Weber analisa alguns pontos fundamentais da ética calvinista, como a afirmação
de que “o trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da
vida”. Outra ideia no mesmo sentido estaria contida na máxima dos puritanos,
segundo a qual “a vida profissional do homem é que lhe dá uma prova de seu
estado de graça para sua consciência, que se expressa no zelo e no método,
fazendo com que ele consiga cumprir sua vocação”. Por meio desses exemplos, Weber
mostra que o ascetismo secular do protestantismo “libertava psicologicamente a
aquisição de bens da ética tradicional, rompendo os grilhões da ânsia de lucro,
com o que não apenas a legalizou, como também a considerou diretamente desejada
por Deus”. Em síntese, a tese de Weber afirma que a consideração do trabalho
(entendido como vocação constante e sistemática) como o mais alto instrumento
de ascese e o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem deve
ter sido a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida
constituída pelo espírito do capitalismo.
É necessário, contudo, salientar que Weber em nenhum momento
considera o espírito do capitalismo uma pura consequência da Reforma
protestante. O sentido que norteia sua análise é antes uma proposta de
investigar em que medida as influências religiosas participaram da moldagem
qualitativa do espírito do capitalismo. Percorrendo o caminho inverso, Weber
propõe-se também a compreender melhor o sentido do protestantismo, mediante o
estudo dos aspectos fundamentais do sistema econômico capitalista. Tendo em
vista a grande confusão existente no campo das influências entre as bases
materiais, as formas de organização social e política e os conteúdos
espirituais da Reforma, Weber salientou que essas influências só poderiam ser
confirmadas por meio de exaustivas investigações dos pontos em que realmente
teriam ocorrido correlações entre o movimento religioso e a ética vocacional.
Com isso “se poderá avaliar” — diz o próprio Weber — “em que medida os
fenômenos culturais contemporâneos se originam historicamente em motivos
religiosos e em que medida podem ser relacionados com eles”.
Autoridade e legitimidade
A aplicação da metodologia compreensiva à análise dos
fenômenos históricos e sociais, por parte de Weber, não se limitou às relações
entre o protestantismo e o sistema capitalista. Inúmeros foram seus trabalhos
de investigação empírica sobre assuntos econômicos e políticos. Entre os
primeiros, salientam-se A Situação dos
Trabalhadores Agrícolas no Elba e A
Psicofisiologia do Trabalho Industrial. Entre os segundos, devem ser
ressaltadas suas análises críticas da seleção burocrática dos líderes políticos
na Alemanha dos Kaiser Guilherme I e II e da despolitização levada a cabo com a
hegemonia dos burocratas. Para a teoria política em geral, contudo, foram mais
importantes os conceitos e categorias interpretativas que formulou e que se
tornaram clássicos nas ciências sociais.
Weber distingue no conceito de política duas acepções, uma
geral e outra restrita. No sentido mais amplo, política é entendida por ele
como “qualquer tipo de liderança independente em ação”. No sentido restrito,
política seria liderança de um tipo de associação específica; em outras
palavras, tratar-se-ia da liderança do Estado. Este, por sua vez, é defendido
por Weber como “uma comunidade humana que pretende o monopólio do uso legítimo
da força física dentro de determinado território”. Definidos esses conceitos
básicos, Weber é conduzido a desdobrar a natureza dos elementos essenciais que
constituem o Estado e assim chega ao conceito de autoridade e de legitimidade.
Para que um Estado exista, diz Weber, é necessário que um conjunto de pessoas
(toda a sua população) obedeça à autoridade alegada pelos detentores do poder
no referido Estado. Por outro lado, para que os dominados obedeçam é necessário
que os detentores do poder possuam uma autoridade reconhecida como legítima.
A autoridade pode ser distinguida segundo três tipos
básicos: a racional-legal, a tradicional e a carismática. Esses três tipos de
autoridade correspondem a três tipos de legitimidade: a racional, a puramente
afetiva e a utilitarista. O tipo racional-legal tem como fundamento a dominação
em virtude da crença na validade do estatuto legal e da competência funcional,
baseada, por sua vez, em regras racionalmente criadas. A autoridade desse tipo
mantém-se, assim, segundo uma ordem impessoal e universalista, e os limites de
seus poderes são determinados pelas esferas de competência, defendidas pela própria
ordem. Quando a autoridade racional-legal envolve um corpo administrativo
organizado, toma a forma de estrutura burocrática, amplamente analisada por
Weber.
A autoridade tradicional é imposta por procedimentos
considerados legítimos porque sempre teria existido, e é aceita em nome de uma
tradição reconhecida como válida. O exercício da autoridade nos Estados desse
tipo é definido por um sistema de status, cujos poderes são determinados, em
primeiro lugar, por prescrições concretas da ordem tradicional e, em segundo
lugar, pela autoridade de outras pessoas que estão acima de um status
particular no sistema hierárquico estabelecido. Os poderes são também
determinados pela existência de uma esfera arbitrária de graça, aberta a
critérios variados, como os de razão de Estado, justiça substantiva,
considerações de utilidade e outros. Ponto importante é a inexistência de
separação nítida entre a esfera da autoridade e a competência privada do
indivíduo, fora de sua autoridade. Seu status é total, na medida em que seus
vários papéis estão muito mais integrados do que no caso de um ofício no Estado
racional-legal. Em relação ao tipo de autoridade tradicional, Weber apresenta
uma subclassificação em termos do desenvolvimento e do papel do corpo administrativo:
gerontocracia e patriarcalismo. Ambos são tipos em que nem um indivíduo, nem um
grupo, segundo o caso, ocupam posição de autoridade independentemente do
controle de um corpo administrativo, cujo status e cujas funções são
tradicionalmente fixados. No tipo patrimonialista de autoridade, as
prerrogativas pessoais do “chefe” são muito mais extensas e parte considerável
da estrutura da autoridade tende a se emancipar do controle da tradição.
A dominação carismática é um tipo de apelo que se opõe às
bases de legitimidade da ordem estabelecida e institucionalizada. O líder
carismático, em certo sentido, é sempre revolucionário, na medida em que se
coloca em oposição consciente a algum aspecto estabelecido da sociedade em que
atua. Para que se estabeleça uma autoridade desse tipo, é necessário que o
apelo do líder seja considerado legítimo por seus seguidores, os quais
estabelecem com ele uma lealdade de tipo pessoal. Fenômeno excepcional, a
dominação carismática não pode estabilizar-se sem sofrer profundas mudanças
estruturais, tornando-se, de acordo com os padrões de sucessão que adotar e com
a evolução do corpo administrativo ou racional-legal ou tradicional, em algumas
de suas configurações básicas.
* O presente texto é a apresentação
escrita por Maurício Tragtenberg ao volume da coleção Os Economistas, dedicado a Max Weber.